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As origens étnicas e estruturais do Império do Mali

  Também conhecido como Império Malinque, o Império do Mali existiu durante os séculos XIII e XVII, resultante do agrupamento de pequenos reinos Malinqueses ao entorno do rio Níger. Foi fundado oficialmente no ano de 1235 por Sundiata Keita, pertencente à dinastia dominante na monarquia. Sua máxima extensão se deu sob o governo de Mansa Musa, o mais rico e popular imperador, compreendendo desde as margens atlânticas do que hoje é o Senegal e a Gâmbia, passando pelo interior da Guiné - onde ficava a capital, Niani - até o que hoje engloba o próprio Mali e seu interior, precisamente até as cidades de Timbuktu e Gao (figura 1). O império também ficou conhecido pela sua diversidade étnica, pela riqueza - advinda em especial da quantidade de ouro extraída -, e também da produção intelectual na região, fruto da primeira universidade do mundo, em Timbuktu. (https://www.sahistory.org.za/article/empire-mali-1230-1600#endnote-5).

Figura 1 |  Fonte: Smithsonian Institute

O domínio era povoado por múltiplas culturas, marcadas principalmente pela distinção religiosa, entre animistas e islâmicos. Entre eles, os principais povos eram os de língua Mandinga (Malinques e Bambaras em especial), os Tuaregues e os Bellas, que não eram em si um povo, mas sim o nome da casta mais baixa da sociedade, compreendendo diversas etnias subjugadas no império. Vale salientar também que o reino não funcionava como nos moldes atuais de Estado, sendo mais próximo de um reino feudal do que propriamente um país soberano. Os Malinques, etnia majoritária da monarquia e que permeava inclusive a nobreza deste, eram predominantemente islâmicos que viviam da agricultura de subsistência, compartilhando de muitos valores comuns aos Bambara. Vale salientar também que se converteram ao islã principalmente durante o reinado de Mansa Musa, que é considerado por muitos historiadores o homem mais rico do mundo

Os povos Tuaregues, também conhecidos como Tamasheq pela sua língua, eram o símbolo da liberdade no Império, sendo reconhecidos como o estereótipo de homem nômade do deserto. Segundo o termo em árabe, são os abandonados por Deus, ou também conhecidos como os homens azuis do Saara, pelos véus azuis utilizados pelo sexo masculino. Eram principalmente comerciantes, encarregados de fazer as caravanas transaarianas, trazendo bens do norte da África para a região do Sahel. Foram eles, por sinal, quem introduziram o uso de camelos para o cruzamento do deserto, resultando na difusão desse meio de transporte (Bradshaw Foundation). Devido à necessidade do Império Islâmico, que teve sua expansão denotada entre os anos de 600 e 1200, de ter escravos para subsidiar as grandes obras e a busca por minérios é que surge o papel estratégico dos tuaregues como intermediadores de escravos entre o Sahel e o Oriente Médio - mais precisamente o Egito -.

As bases da sociedade do Império do Mali eram organizadas a partir da hierarquia e status social dos povos locais, traduzido através de um sistema de castas. Essa ordenação comunitária é embasada na linhagem das famílias dessas etnias que, no Mali, era dividido em três classes principais: nobreza, comerciantes e descendentes de escravos. A própria divisão étnica num sistema de estrutura já demarcava quais habitantes seriam escravizados ou não, servindo de justificativa para a escravidão na região. Os nobres denominavam essa fragmentação social de tradição, enquanto a contraparte chamava de escravidão hereditária. Ademais, essa partição define o que é permitido ou não à população, baseado no status social. Casamentos com pessoas de fora de sua próprias castas, por exemplo, eram proibidos. Assim, fica evidente que as percepções racialistas influenciavam nas relações sociais, políticas e econômicas entre os cidadãos do Império.  

 A escravidão no Império era necessária devido à grande mobilização de mão de obra para a extração de ouro, minério muito abundante na região, e era vantajosa para suprir a ânsia por maiores lucros através da transação de pessoas. A princípio, era justificada pela região, ou seja, aqueles que não eram muçulmanos seriam levados ao comércio de escravos, porém, com a instituição do Islamismo como prática religiosa oficial de Mali, as castas passaram a ser o determinante desse fator. Quem mais sofreu com isso foram os Bella, etnia majoritariamente oriunda das florestas tropicais do Golfo da Guiné, por serem o pilar mais baixo da sociedade de Niani. Tal povo era visto como destinado à escravidão, sendo assim, a própria população desse grupo passou a aceitar seu destino como escravos ¹. Os Bella eram uma casta dentro da sociedade malinense, e a etimologia da palavra “Bella”, na língua Songhai, significa “ser negro”, o que deixa explícito a principal razão desta ser a casta mais subjugada por lá. 

Infelizmente, a realidade da segregação está presente nos dias atuais, que por mais que formalmente se tenha abolido a escravidão, informalmente as pessoas, em especial as mais interioranas, ainda são divididas e algumas forçadas a trabalhar compulsoriamente. Isso faz com que as sociedades tenham poucas perspectivas de mudança, portanto, vê-se dificilmente uma melhora no quadro atual da República do Mali, que vivencia uma guerra civil, fazendo com que a sociedade como um todo, mas principalmente os Bellas, continuem sofrendo e sendo discriminados, mesmo com os progressos atingidos ao longo dos séculos.  



Texto revisado por Beatriz Pires Lourenço


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