Por Daniella Peixoto Pereira
Fonte: Jornal da USP
Diversos fatores explicam a grandiosidade cinematográfica como elemento educacional e cultural de uma determinada região. Os filmes levam seus telespectadores a, através da comoção, entrarem em uma espécie de transe e fascínio, fazendo-os sempre buscarem por mais conteúdo. Ademais, o cinema está atrelado à reflexão, principalmente por ser um elemento que geralmente busca discutir a memória do espaço social que está sendo representado, isto é, busca relembrar e debater fatos já ocorridos em uma determinada região, seja através da história, de aspectos políticos e econômicos, da comédia, da religião, e assim por diante, contribuindo para a criação de uma identidade visual única de uma sociedade. Dessa forma, é compreensível a razão pela qual o cinema é uma das atividades culturais externas preferidas de grande parte da população mundial e, consequentemente, o porquê de estudar e compreender melhor sobre essa expressão artística. Em relação ao Sahel, seus filmes mostram a realidade local para além dos preconceitos, abordando, principalmente, as questões políticas e sociais pela visão interna, regional, e não de forma deturpada, como são retratadas por diversas obras estrangeiras. É importante ressaltar, também, os problemas enfrentados por essa indústria, não só localmente, mas no continente africano como um todo, visto que além de ter que lutar por sua inserção internacional no mercado cinematográfico, tal indústria é influenciada por questões como sua subordinação perante a Europa durante os anos coloniais e os estereótipos sofridos, impedindo seu pleno desenvolvimento.
Da mesma forma que existe o termo “Terceiro Mundo”, expressão utilizada para descrever os países subdesenvolvidos durante a Guerra Fria, há também a expressão “Terceiro Cinema” - Third Cinema, em inglês. Enquanto os filmes dos Estados Unidos se encontram na categoria de Primeiro Cinema e os europeus se encontram na de Segundo Cinema, a África e países latinos e asiáticos estão na última categoria. Dentro dessa divisão, há ainda aqueles que tentam quebrar com o padrão cinematográfico hollywoodiano e aqueles que o seguem. Mas, de qualquer forma, há um consenso entre muitos analistas e experts da área acerca do descontentamento para com essa indústria.
Há severas críticas, pois, por conta da colonização europeia, até 1960 ainda não existiam filmes produzidos por africanos, mas sim, pelos próprios europeus contando a história do continente, o que mostra o quão nova é, de certa forma, essa área cultural. Tendo isso em vista, a intenção do cinema surge justamente como um projeto político, uma luta contra o colonialismo e suas marcas: como o racismo, o complexo de inferioridade e os padrões estéticos. É uma forma dos cineastas se libertarem da imagem que lhes foi atribuída por seus colonizadores, visto que esses eram os principais responsáveis pela imagem do continente. Entretanto, com a ausência de melhores equipamentos, de uma proteção governamental e a questão da concorrência com empresas, principalmente indianas, européias e americanas, que já são mundialmente reconhecidas nesse âmbito e têm muito mais experiência, esse mercado acaba tendo maior dificuldade para concorrer internacionalmente, muitas vezes não conseguindo atingir o patamar global sem ajuda de países externos ao continente, evidenciando sua subordinação cultural no ramo.
É importante explicitar os problemas que essa região sofre em relação ao cinema para que os futuros espectadores tenham em mente toda a dificuldade pela qual o continente para para melhor compreender a mediania de muitos trabalhos. Mesmo assim, é evidente o esforço para mostrar a realidade do cotidiano dessas sociedades e ver com olhos efetivamente africanos, uma visão deles sobre seu próprio mundo, sem o complexo de salvador - white savior - fenômeno que leva a crer que o povo desse espaço social só pode ser salvo por uma pessoa branca, o que associa a imagem da África à desgraça, à miséria, ao sofrimento e à pobreza. Levando esses fatores em consideração, a imagem que acaba se fixando na cabeça da população mundial, é, precisamente, a ideia de inferioridade, ausência de riquezas, sejam elas naturais, históricas, sociais ou culturais, o que leva ao aumento do preconceito geral, e o continente é muito mais do apenas situações de necessidade, e é essencialmente isso que os filmes locais querem evidenciar.
Cartaz do filme Lionheart, disponível na Netflix
Fonte: minha visão do cinema
Com isso em mente, há diversas formas de adentrar neste mundo, seja através de livros, de artigos, de documentários, de curta-metragens, de longas, ou de projetos que visam um livro chamado “Guide to African Cinema” - “Guia para o cinema africano” - em que ela democratizar o acesso aos filmes africanos. A escritora Sharon A. Russel, por exemplo, escreveu esclarece as falhas da área cinematográfica e, em seguida, apresenta diversas opções de filmes e suas sinopses, fazendo uma breve análise de cada um, em ordem alfabética. Ademais, há um projeto chamado “Cine África”, organizado pela mostra de cinemas africanos, em que diversos filmes africanos ficam a disposição para promover um maior contato dos brasileiros com as narrativas africanas, proporcionando, assim, um espaço de exibição. Essa nova edição do projeto traz filmes com foco em diversos países do Sahel, como da Burkina Faso, com ”Fronteiras”, de Apolline Traoré, Camarões, com “O Enredo de Aristóteles”, de Jean-Pierre Bekolo, e ainda países como a Etiópia, Nigéria, Quênia, Senegal e Sudão.
Portanto, fica evidente que a maior dificuldade em adentrar internacionalmente a indústria cinematográfica se encontra nas visões errôneas e na baixa visibilidade por parte do público de fora do continente. Assim, para efetivamente ter uma mudança nessa realidade, cabe àqueles com maior interesse em cinema ou até mesmo na própria África se engajarem de forma ativa para obter maiores conhecimentos acerca do assunto, e dessa forma, pouco a pouco tentar aumentar o espaço desse elemento cultural dentro da nossa realidade.
Texto revisado por Beatriz Pires Lourenço e Alessandra Akimoto
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