Por João Victor Peretti Fulconi
Direito Constitucional é um ramo do Direito Público que tem como principal investigação as normas jurídicas que fazem parte da Constituição de um determinado Estado. Como leciona o jurista José Afonso da Silva, o Direito Constitucional “configura-se como Direito Público fundamental por referir-se diretamente à organização e ao funcionamento do Estado, à articulação dos elementos primários do mesmo e ao estabelecimento das bases da estrutura política”. O seu objeto de estudo é a sistematização normativa de um Estado, que por meio da ciência jurídica, visa compreender a estrutura do aparato estatal formado e definido pela Constituição, bem como a sua forma de governo. Além disso, tem relevante espaço o modo de aquisição e exercício do poder público e político, o estabelecimento de órgãos estatais, os limites de suas atuações, os direitos fundamentais do homem com as suas garantias e as regras básicas de ordem econômica e social. A atuação do Poder Público encontra-se prevista e delimitada no documento, bem como sua própria legitimidade, pois essa é sua função normativa primordial. Ordenar e conformar a realidade social e política, estabelecendo deveres e assegurando direitos. Trata-se de uma ciência jurídica pública por excelência, e por sua vez possui sua própria sistematização, com vistas à dogmática que compõe a matéria estudada. Como bem alegado por Paulo Bonavides, o Direito Constitucional é definido como o “ordenamento supremo de um Estado’’. Urge compreender que Direito é um fenômeno histórico que forma, em sua essência, um sistema normativo, um conjunto de normas jurídicas, e por esse motivo, a dogmática constitucional averigua os fundamentos das normas presentes no Corpo Constitucional.
O seu surgimento se deu em um contexto histórico de necessidades políticas e sociais em que havia uma nova conveniência, reconhecer juridicamente os direitos de uma população subordinada ao poder do Estado, que era exercido de maneira concentrada e sem nenhum contrapeso político interno à figura soberana. Com o desenvolvimento do chamado Estado Liberal, que pode ser conceituado como aquele que apenas garante o Direito, mas não o institui, as vontades populares começaram a se desenvolver com a finalidade de se criar um sistema de normas hierarquizado e com base na legalidade e racionalidade jurídica. Desse modo, todos os conflitos de interesse são resolvidos exclusivamente pela Lei, que deveria pautar as decisões jurisdicionais a fim de oferecer a devida proteção à vida, à liberdade e à propriedade, que são tradicionalmente reconhecidos como inerentes ao ser humano na civilização ocidental, em razão da doutrina do Direito Natural e seus fundamentos ontológicos, mas dessa vez com caráter eminentemente normativos-positivados.
A Constituição é o objeto imediato de estudo do Direito Constitucional e se caracteriza por ser um documento político de supremacia hierárquica no ordenamento jurídico. Dentro desse, suas normas prevalecem a qualquer outra. Forma-se um sistema normativo de regras e princípios, e uma Constituição cria e desenvolve o Estado em que está inserida, tendo caráter de formação das instituições públicas que ela própria criou, bem como, por ato de vontade, disciplina a criação de seu próprio Direito. Uma Constituição é o modo de ser de um Estado, sendo a lei fundamental de organização de elementos essenciais. Com a finalidade de estabelecer elementos essenciais a um Estado, como no caso de estrutura de organização de órgãos, modo de aquisição de poder, procedimento de criação do Direito, assegurar as garantias fundamentais aos indivíduos etc., não há conteúdo normativo fixo. Cada Constituição é a concretização da vontade humana criadora, que não é limitada anteriormente a nenhuma outra norma jurídica. Todo o Direito de um Estado surge de uma Constituição, pois seu caráter material regula a própria criação do Direito. É o Direito regulando a sua própria existência e formação. O procedimento criador de normas gerais é fator determinante de estabilidade para todo o sistema que o documento regula.
A dogmática constitucional classifica a norma jurídica que compreende a Constituição como aquela que ocupa o topo do ordenamento jurídico e se diferencia das demais normas que estão presentes em todo o sistema. As normas ali presentes são descritas como fundamentais a todas as demais e ao sistema que está regendo, ainda que não seja necessariamente norma que tenha qualidade típica de constitucional. A principal diferença da Constituição quanto às demais normas presentes no ordenamento jurídico, qualificadas como infraconstitucionais ou ordinárias, é a sua rigidez. As normas presentes no Texto Constitucional adquirem como classificação a denominada “força constitucional”, expressão adotada pela doutrina para dar qualidade superior a essas normas, com a finalidade de ser diferenciadora quanto às demais. Afirmar que uma Constituição é dotada de supremacia significa dizer que a norma ocupa o ponto mais alto de todo o ordenamento jurídico, hierarquicamente é uma norma jurídica superior por excelência. Todos as demais normas jurídicas do ordenamento encontram diretamente ou indiretamente o seu fundamento de validade na Constituição.
Dentre tantas incertezas e oscilações que o período conturbado pelo qual estamos presenciando gera sobre nós, o reflexo nas relações jurídicas certamente é essencial à compreensão de nossa realidade, visto que toda e qualquer instabilidade gerada não se faz presente tão somente em vínculos pessoais ou coletivos, mormente em todo um sistema em que as relações fundamentam-se e derivam sua forma e matéria. Um Sistema Constitucional, em que proporciona a fundamentação da emanação direta e indireta de todas as normas jurídicas em uma certa sistemática, legitima não apenas uma certa infalibilidade de toda uma Ordem, mas também atesta meios acessíveis de implementação de toda completa disposição de meios de exercício democrático. Faz-se necessário ressaltar a relevância dos assim chamados Remédios Constitucionais, como bem destacado na exposição doutrinária de José Afonso da Silva, que são “meios postos à disposição dos indivíduos e cidadãos para provocar a intervenção das autoridades competentes, visando sanar, corrigir, ilegalidade e abuso de poder em prejuízo de direitos e interesses fundamentais’’. Em um contexto de eminente afronta às nossas valorosas instituições, a inferência de um status elevado e tutelado por uma sólida dogmática mostra-se explicitamente em um conturbado cenário, a indispensabilidade de um objeto que nos guarde.
Salvo apaixonados discursos, o prestígio que dispõe um Direito Fundamental é de todo incontestável à dignidade humana. A sua permanência no decurso de uma decadência obscura é o que certifica a toda uma coletividade o seu amparo legal. Satisfatoriamente, nosso Sistema dispõe de writs que nos garantem custódia por excelência. A priori a disponibilidade é integral, o que gera a necessidade de elevarmos a posição do degrau na escala ponteana, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, e alcançarmos o seu grau superior, o da eficácia, para assim decifrarmos a nossa própria realidade. Instabilidades e recessões não são peculiares à nossa vivência, e a perduração das Instituições e o respeito à res publica é o retrato ao eminente guia do que possuímos de maior relevância. Em face da permanência do que nos pertence, urge-se destacar que a sabedoria do próprio sistema é essencial em ocasiões como a que estamos enfrentando, o que se apresenta demasiadamente apartado da perspicácia popular. Ao nos depararmos com toda uma coletividade vulnerável e desinformada daquilo que dispõe ao seu alcance para propiciar um aperfeiçoamento em sua dignidade própria, contatamos que os degraus superiores não são de todo esplêndido quanto aos inferiores, todavia é o que vulgariza toda uma desproporcionalidade de realidades em que as normas abstratas impessoais e genéricas, reputadas como basilares e universais, não fazem nem cócegas, por assim dizer.
A retórica entusiasmada e fascinada com o recorte de sua própria realidade dentre todo um cosmos externo se precipita diante de toda a controvérsia que se encontra inserida. Diversas são as tentativas de afastamento de uma ordem já consolidada, o que se vê atenuado no atual colapso. Afinal, diante de toda uma demasiada ineficácia de um complexo normativo que visa assegurar a sua própria eficácia, as alegações no sentido de obstar a Sistemática são adequadas? A constatação da insuficiência do alcance de todo um aparato normativo que possui seu status máximo em um Ordenamento Jurídico evidencia a sua demasiada indispensabilidade de cuidados. A preservação das instituições diante de tamanhas desfeitas é o que proporciona, além de sua própria estabilidade, a consciência da importância basilar de sua permanência e o quão integra mantém a sua consolidação. Diante de toda uma vulnerabilidade já resistida e que perdura no presente contexto, a manutenção não se presta exclusivamente a uma diligência à estabilidade, mas essencialmente à superveniência de uma similar conjuntura. Por mais dificultosa que seja a tentativa de fazer com que os seus fins sejam auferidos, bem como por mais distante que esteja essa realidade abstrata e genérica, faz-se necessário ressaltar a sua necessidade como principal meio de atingir os fins a que se propõe. Desse modo, a sua devastação não é a sua solução, em razão do fatos de que a sua principal resposta se ampara a si própria.
Diante de demasiadas formações e reformulações ao tentar delinear não apenas a sua extensão, mas também a sua concepção principiológica normativa, a Sistemática Constitucional não perde o seu caráter originário. Encontra, certamente, as suas próprias adaptações à realidade social e à vontade concebível em que está inserida, mas os seus fundamentos permanecem. Se retornarmos à dogmática clássica e definidora de uma primeira fase constitucional, nota-se que a doutrina clássica do Constitucionalismo se firmava especialmente na ideia de ser a Constituição um “instrumento orientado para conter o poder, em favor das liberdades, num contexto de sentida necessidade de preservação da dignidade da pessoa humana’’ (BRANCO; MENDES, 2018, p. 39). Tem- se aqui como constatação principal que a Constituição, em sua concepção original, era tida como uma técnica de proteção das liberdades particulares e coletivas frente ao Poder Público. Essa percepção teve demasiada valia em seu período histórico gerador. À progressão de toda uma situação social nova, a ideia original se mostra insuficiente, uma vez que os seus mecanismos asseguradores de suas finalidades expressaram a sua própria deficiência dentre todo um corrente dissemelhante âmbito daquele definidor originalmente. A resposta, ao contrário de qualquer investida contra o Sistema, concretiza-se dentre uma nova concepção, o que demonstra a passagem de uma maior passividade à busca ativa da própria Justiça, assim demonstra que frente a uma fragilidade, a sua permanência importa à uma resguarda ulterior, com suas devidas e prudentes adaptações. As formalidades exacerbadas perdem gradativamente a sua notoriedade e as suas adaptações satisfazem melhor as necessidades presentes. Mais importante do que a adaptação em si é a primazia do reconhecimento da insuficiência e o quão distante da própria realidade a Sistemática se encontra, pois assim a preservação do que perdura e resiste ao tempo permite que o novo estabelecimento se mostre superior às imponderadas formas de aniquilação, e uma vez respeitado e certificado aos fatos, pode realizar sua devida e necessária moldagem. Se antes discutia-se as percepções de liberdade e de igualdade, deslocando-se doravante às inspirações de necessidade social, valores transindividuais e todo e qualquer juízo porvindouro que possa ser redirecionado, o Sistema mostra-se resistente às inquietações calorosas que o visam desestruturá-lo.
Os ciclos prosseguem ad infinitum e as elementares instituições ao exercício da cidadania permanecem em sua melhor forma, garantindo, por meio de sua harmonização à realidade corrente, o amplo acesso de exercício, bem como de sua própria defesa inerente ao adequado e apropriado desempenho. Não são, por isso, as agressões contemporâneas que serão definidoras de seu desprestígio, mas também não foram os acometimentos findados. O que resta, todavia, é a constatação de sua notoriedade e de que forma a sua firmeza beneficia até mesmo aqueles que insistem em sua cessação. Se anteriormente discutia-se os limites da própria forma do exercício do poder político, alterando-se os esforços aos meios de exercício da cidadania e fundamentalmente pela prática de uma efetiva isonomia, sem prejuízo do que inicialmente se estabeleceu, o que subsiste é a compreensão sobre o que estamos expostos e assim permitir a averiguação, diante de fatos presentes, de seu pleno e efetivo funcionamento. É necessária a compreensão imediata das especulações momentâneas, que meramente demonstram uma sucinta e apaixonada compreensão do que verdadeiramente constata-se ao redor nas necessidades e condições de um necessário e pleno exercício democrático.
Texto revisado por Pedro Lopes
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