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O Direito Constitucional e a sua preservação, parte 2

 Por João Victor Peretti Fulconi


É necessário que se compreenda a importância do conteúdo normatizado em uma Constituição. O Documento trata de conceitos e princípios fundamentais que regulam todo o Ordenamento Jurídico, fazendo-se necessário haver uma ampla garantia, pois não pode qualquer vontade política temporária ter a intenção de mudar os princípios e regras ali previstos em seu favor. Princípios políticos-jurídicos fundamentais não podem estar submetidos a qualquer aspiração de poder que os visa condicionar a seu próprio favor. Por esse motivo, o ordenamento jurídico constitucional deve visar sua própria proteção de maneira expressa. A doutrina constitucional trata essa proteção da Constituição a si mesma como princípio da supremacia constitucional

A rigidez constitucional decorre de uma maior dificuldade para a sua modificação em relação a todas as demais normas que compõem o Ordenamento Jurídico, e com isso decorre o princípio da Supremacia Constitucional, por isso a qualidade de norma jurídica superior quanto ao restante de todo o Sistema. É a norma suprema de um Estado, que confere  fundamento de validade a todos os efeitos jurídicos ocorrentes  no Ordenamento Jurídico como um todo. A priori, todos os atos jurídicos possuem limites materiais nas normas constitucionais, não podendo haver contradição.

O status de superioridade constitucional que uma Constituição adquire também se expressa no fato de que os atos jurídicos do poder público devem estar subordinados às suas normas. Todos os atos devem estar em conformidade, caso contrário, a norma que estiver em contradição adquire a qualidade de inconstitucional, que é um atributo negativo a uma norma jurídica, denotando a necessidade de não poder mais ser válida e posteriormente sua eficácia não estar em conformidade com aquilo que o Ordenamento determina como sendo uma norma devida.

De acordo com a Dogmática Constitucional, ainda que uma norma jurídica seja criada pelo órgão dotado de competência a criar o Direito, na forma estabelecida, ambos os institutos presentes na Constituição de um Estado, não pode haver norma cujo conteúdo contradiga as Normas Constitucionais. A existência, a validade, e posteriormente a eficácia da norma jurídica que está em contradição com a Constituição frustram a alegação dogmática da estabilidade e supremacia de uma Norma Constitucional. Por esse motivo, deseja-se que uma norma jurídica que venha adquirir a qualidade de “inconstitucional’’ seja retirada do ordenamento. 

Afirmar que uma norma jurídica possui a qualidade de “constitucional’’ ou “inconstitucional” remete à  adequação ou não da norma jurídica ao sentido de uma Constituição. Trata-se de uma noção normativa de compatibilidade; por outras palavras, a relação que se dá entre todas as normas do ordenamento jurídico é assumida como harmônica, e quando uma norma que está abaixo da Constituição é entendida como “inconstitucional’’ após sua criação, significa que não pode permanecer como válida, devendo assim ser retirada do ordenamento jurídico. Por isso, uma norma adjetivada como “constitucional’’ ou “inconstitucional’’ não possui essa denominação em razão de um valor a ela atribuída, posto ao fato de que lhe é conferida tal qualidade em razão da existência de uma outra norma, a Constituição.

Para que tal garantia frente ao órgão criador do Direito tenha efeitos, faz-se necessário que o Ordenamento Jurídico possua um sistema de Controle de Constitucionalidade. Um sistema de Controle de Constitucionalidade é a verificação de uma norma jurídica quanto à Constituição, uma vez que a norma que está sendo analisada possui seu fundamento de validade na própria Constituição, não sendo lógico a existência de uma norma jurídica que esteja em contradição com uma norma jurídica que possui a qualidade de suprema e que está no topo do Ordenamento Jurídico.

Como bem explica Luís Roberto Barroso (2019, p. 23), “O ordenamento jurídico é um sistema. Um sistema pressupõe ordem e unidade, devendo suas partes conviver de maneira harmoniosa. A quebra dessa harmonia deverá deflagrar mecanismos de correção destinados a restabelecê-la. O controle de constitucionalidade é um desses mecanismos, provavelmente o mais importante, consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou qualquer ato normativo infraconstitucional e a Constituição. Caracterizado o contraste, o sistema provê um conjunto de medidas que visam a sua superação, restaurando a unidade ameaçada. A declaração de inconstitucionalidade consiste no reconhecimento da invalidade de uma norma e tem por fim paralisar sua eficácia.”

A rigidez constitucional é um pressuposto do Controle de Constitucionalidade. A partir disso, a rigidez apenas pode ser afirmada porque para que haja uma modificação à Constituição, é necessário um procedimento especial. Por parte desse processo há a garantia de rigidez quanto às demais normas jurídicas que fazem parte do Ordenamento Jurídico, resguardando uma supremacia incontrastável do Texto Constitucional.

O Controle de Constitucionalidade das normas jurídicas faz parte da dogmática constitucional da Jurisdição Constitucional, que se refere à aplicação da Constituição por parte do órgão aplicador do Direito. Trata-se, enfim, de uma forma de exercício da Jurisdição Constitucional e, por isso, de um meio de defesa da Constituição estabelecido pelo próprio Ordenamento Jurídico.


Texto revisado por Pedro Lopes Bouças


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