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O urânio no Níger e a fragilidade nacional

 Texto por Nicholas Torsani e Renato Raskin 


O Níger é um dos maiores países localizados na região africana do Sahel, tornando-se independente da França em 1960. Sua economia é muito pouco diversificada e depende principalmente da agropecuária, responsável por 40% de seu PIB e pelo sustento de 80% da população, e com forte presença da agricultura de subsistência e da criação de gado. Fora isso, o país exporta ouro, petróleo e urânio, destacando-se internacionalmente por possuir em torno de 7% das reservas mundiais deste último e por ser o sétimo maior exportador do minério em 2019 (indexmundi, World's Top Exports). 

O país apresenta altos níveis de crescimento econômico, com a taxa, movida principalmente pela produção agrícola, mantendo-se em incríveis 6,3% em 2019. Contudo, apresenta uma situação social bastante debilitada, com 41,4% dos nigerinos vivendo em situações de pobreza extrema, e foi classificado pela ONU em 2016 como o segundo país menos desenvolvido do planeta, o que pode ser explicado pela insegurança alimentar, falta de indústria e de diversificação econômica, alto crescimento populacional, educação precária e presença de grupos terroristas, como o Boko Haram. (World Bank). 

Desde 2011, a dívida pública do Níger vem crescendo devido principalmente a investimentos em infraestrutura e segurança pública. Uma das causas são os ataques de grupos terroristas ocorridos próximos às suas minas de urânio, bem como instabilidades em suas fronteiras nacionais. Quedas recentes nos preços do urânio também tiveram impacto considerável sobre as finanças do país (CIA). Para contornar esses gastos, o governo busca parcerias regionais e recebe doações externas. Contudo, entre 2018 e 2019 foi observado uma redução nos déficits fiscais, como relatado pelo Banco Mundial. 

É notável a dependência do Niger em relação a seu antigo colonizador, a França, que ainda controla grande parte de sua economia e recursos naturais. Suas minas de urânio são majoritariamente controladas pela estatal francesa Orano (ex-Areva), a partir de um contrato confeccionado nos anos iniciais de sua independência e renovado periodicamente. Boa parte de suas exportações (31%) é direcionada à velha metrópole, e 28% das importações tem origem nela (Trading Economics). Essa dependência acarreta uma fragilidade econômica persistente e põe em cheque o desenvolvimento. Ainda é muito difícil denotar quanto urânio é exportado à velha metrópole, e quanta reserva do recurso radioativo ainda existe no país. Com uma enorme disparidade entre os dados divulgados - de 70% das exportações - e computados - correspondente a 6% do PIB - a corrupção ainda é um grande entrave com relação à transparência dos dados econômicos nacionais

O urânio parece não trazer muitos benefícios à população nigerina devido a seus notáveis impactos sociais e ecológicos. A partir da exploração abrupta e sem muito controle por parte do governo central, notando sua fragilidade e alta corrupção interna, a extração do minério radioativo causou graves impactos ecológicos ao em torno de suas plantas. Assim, reservas de água utilizadas para consumo foram contaminadas pelos resíduos decorrentes da extração de urânio, resultando em um número elevado de enfermidades para humanos e animais (Geopolitical Monitor). Em Arlit, sede de uma das maiores minas do país, a taxa de mortalidade devido a infecções de matriz respiratória totalizam o dobro do que em outras áreas nacionais, por exemplo, evidenciando os impactos sanitários da mineração (StoryMaps, 2019).

Apesar de 90% da receita das minas irem para o governo nigerino, os retornos para a população são muito baixos, e podem até se transformarem em problemas sociais. A maioria dos nigerinos nem mesmo sabe da existência de urânio no país; muitos trabalhadores locais não possuem o conhecimento adequado para tomar os cuidados necessários relativos a radiação e as empresas que os empregam não fazem a devida prevenção ou tratamento dos malefícios relacionadas à exploração do minério. A contradição é ainda mais presenciada visto que 90% da população não tem nem acesso à energia elétrica, em um país teoricamente rico em urânio (World Nuclear Association, Geopolitical Monitor). 

Tendo tudo isso em vista, é possível atribuir grande parte do problema da ausência de complexidade econômica e de redistribuição das riquezas extraídas tanto ao papel da colonização quanto à posterior composição de um sistema político centralizado numa elite política corrupta. Fica claro que as perspectivas futuras para os nigerinos são pouco otimistas em meio aos diversos problemas sociais historicamente observados e aos impactos ecológicos decorrentes da nulamente legislada exploração do urânio. Como se não bastasse, a instabilidade regional e a ação dos diversos grupos terroristas tornam ainda pior o que já era ruim, deslocando populações, destruindo infraestrutura e impedindo que a paz e o desenvolvimento penetrem localmente.


Revisado por Pedro Lopes Bouças


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