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Reforma administrativa e o direito adquirido

 Por Vitor Rocha


Recentemente, o Deputado Kim Kataguiri (Democratas) protocolou um requerimento de informação solicitando ao ministro da Economia informações a respeito das pensões vitalícias para filhas de militares. A iniciativa veio diante da atitude do Ministério da Defesa de manter sob sigilo os dados referentes às pensões, se negando a abrir a caixa preta e desacatando a determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), de setembro do ano passado, referente à divulgação de todos os valores pagos aos pensionistas das forças armadas. Os gastos com o privilégio chegam a R$ 6,5 bilhões anuais.

Criada em 1958 por Juscelino Kubitschek, a Lei n°3.373 estabeleceu que as filhas de militares solteiras, maiores de 21 anos e que não exercem cargo público permanente têm direito a pensão vitalícia. Apesar de extinto em 2000, o benefício permaneceu para aqueles que já eram integrantes das forças armadas naquela data, sob proteção do direito adquirido.  Em tempos de reforma administrativa, a revisão de benefícios e vantagens concedidas pela legislação a grupos específicos da sociedade tem ganhado força no debate.

Marcos Lisboa, ex-secretário da Política Econômica do Governo Lula e atual presidente do Insper, pontua que os direitos adquiridos precisarão ser revisados para que o Brasil avance no tema fiscal. Segundo pesquisa do IPEA de 2018, o gasto crescente com pessoal de servidores inativos restringe o espaço fiscal dos estados e reduz a capacidade de investimento. Entre 2014 e 2017, o número de servidores inativos cresceu em 5,6% nos 20 estados analisados, enquanto que os ativos foram reduzidos em -1,6%. 

De acordo com o estudo, entre 2017 e 2018, a receita primária total dos estados elevou em 2,7%,representando um aumento de R$11,5 bilhões. Paralelamente, os gastos com pessoal, encargos sociais e outras despesas também aumentaram em R$11,5 bilhões. Os investimentos, por outro lado, cresceram em R$1,56 bilhões. Dessa forma, mesmo com os esforços empreendidos para  elevar a receita primária dos Estados, o valor acrescido acabou sendo consumido totalmente pelos gastos com pessoal, encargos sociais, entre outras despesas, com exceção do investimento que foi financiado por meio da queda do superávit primário. O dispêndio cada vez maior com servidores inativos comprime a capacidade dos Estados de investirem. Nesse sentido, apesar da situação precária das contas estaduais, os direitos adquiridos continuam intocáveis.

Mas há quem dê exemplo de moralidade e responsabilidade diante de crises econômicas. Portugal, por exemplo, criou a jurisprudência da crise com o objetivo de reequilibrar as contas públicas após 2008. A crise financeira exigiu que o país criasse exceções para situações críticas. Nesse sentido, ao contrário do que se esperaria no Brasil, foi instaurada uma verdadeira agenda republicana, que recaiu sobre todos os cidadãos. Em 2010, a lei do orçamento para o ano de 2011 previu redução de 3,5% a 10% dos salários dos servidores da administração pública, incluindo os cargos de presidente da república, primeiros ministros, deputados da assembleia, entre outros. Desde suspensões de aposentadorias precoces até contribuições de até 40% para aposentados com renda acima de 7,1 mil euros, as medidas de exceção mostraram a capacidade de um país em adequar os direitos adquiridos dos servidores à realidade econômica e social do país.

Com a crise do coronavírus, o esperado seria que nossos representantes dessem o exemplo no congresso e buscassem formas de adequar a situação dos servidores públicos ao do setor privado, de forma que este não fosse o único sacrificado. Infelizmente, a realidade é outra. O STF deixou claro, em meio a uma das maiores crises da nossa história, que os vencimentos dos servidores não podem ser reduzidos. Somado a isso, o presidente já enfatizou inúmeras vezes que a reforma administrativa não pode “mexer” em direitos já adquiridos.

 Quem sabe numa próxima.


Texto revisado por Daniella Peixoto Pereira 


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