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A Queda do Marxismo

 Artigo de opinião por Renato Raskin


Sendo o primeiro Estado socialista da história, a União Soviética foi, por muito tempo, a segunda maior potência do planeta em termos militares e econômicos. Entretanto, o império vermelho teve uma curta existência, de apenas 69 anos. Durante esse tempo, o mundo presenciou, pela primeira vez, a ideologia comunista posta na prática, assim como a primeira tentativa de se implantar a economia planificada proposta por Marx e Engels.

A economia da União Soviética (assim como a da Rússia moderna) pode ser entendida, em grande parte, pelas reformas feitas durante o governo de Josef Stalin. A maior parte das indústrias soviéticas foi construída durante seu Programa de Industrialização, na década de 1930. Além disso, viu-se o colossal programa de coletivização e estatização de propriedades rurais, em que toda a produção agrícola ficou nas mãos do governo.

Entretanto, os custos dessas reformas foram amargamente sentidos pela sociedade soviética. Como consequência econômica, pôde-se ver uma grande queda na produtividade agrária, causando fome e a escassez de alimentos. No começo do século, a Rússia era uma grande exportadora de trigo e grãos. Hoje, é o país que mais os importa no mundo. Além disso, pouca modernização foi feita nas grandes fábricas construídas por Stalin desde então, com algumas mantendo-se obsoletas até hoje. 

Os grandes expurgos de Stalin levaram a prisões e assassinatos em massa de elementos considerados como inimigos da revolução comunista, entre eles detentores de propriedades rurais, opositores políticos e qualquer um considerado inimigo da revolução. Estes foram perseguidos, assassinados ou mandados para campos de trabalho forçado (Gulags) em nome da ideia marxista de coletivização das terras (Epoch Times). 

Na maior parte de sua história, a URSS adotou um sistema econômico em que todos os bens eram produzidos de acordo com um planejamento centralizado do governo, não havendo economia de mercado. O Gosplan (“Comitê Estatal de Planejamento”, da sigla em russo) estabelecia quais produtos eram produzidos nas fábricas do país, bem como o volume de produção e os preços pelos quais estes seriam vendidos.

Como havia sido demonstrado pelo economista Ludwig von Mises, nos anos 20, o maior problema em uma economia socialista é a impossibilidade de se planejar o que deve ser produzido, em que quantidade e de que forma, tornando-a insustentável. Isso pode ser explicado pela ausência de preços de mercado, utilizados por empresas para fazer cálculos e estimativas, não sendo possível calcular, por exemplo, quais os custos de produção de um insumo e a qual preço este deve ser vendido para que haja lucro (Mises Brasil).

Assim, as empresas soviéticas vendiam seus produtos por um preço fixo definido pelo Gosplan, independentemente da oferta, demanda, localização ou custos de produção, fazendo com que fossem vendidos a preços irracionais e improcedentes. Isso fazia com que muitas dessas estatais dessem prejuízos para o governo, que redistribuía para estas as receitas das empresas mais lucrativas, assim impedindo que fossem à falência.

Devido à incapacidade do governo de planejar tudo o que deve ser vendido para atender à procura das milhões de pessoas espalhadas pelas cidades, a falta de produtos básicos e de alta demanda era frequente. A população tinha de comprar o que havia disponível, muitas vezes sem haver opções – devido à ausência de competição de mercado – e pelo preço que fosse cobrado.

Muitas vezes, o povo tinha mais dinheiro do que podia gastar. Simplesmente não havia produtos nas prateleiras para serem adquiridos. Para conseguir comprar um carro, por exemplo, havia de se esperar na fila por sete ou oito anos. A única forma de adquiri-lo imediatamente era no mercado negro.

Um monopólio privado é visto, hoje em dia, como algo que atenta contra o bem estar público, cobra altos preços por serviços ruins, atrapalha o desenvolvimento científico e tecnológico na sociedade e causa graves danos ao meio ambiente. Esse pensamento não se dá quando está a se tratar de monopólios estatais, que, em tese, agem buscando o bem estar público ao invés do lucro. 

Entretanto, essas teses se mostraram falsas na União Soviética, bem como em outros países socialistas, em que as empresas geridas pelo Estado causaram os mesmos danos à economia e sociedade que os monopólios privados causariam. Ademais, diferentemente de companhias privadas, essas estatais não se viam como responsáveis financeiramente por suas ações e tinham a liberdade de operar sem se preocupar com a gestão de custos e lucros causada pela competição de mercado – o que gerou diversos prejuízos para a máquina pública. 

Como de esperado, a economia soviética se encontrou em frangalhos após décadas de um sistema econômico falho posto na prática. Na década de 80, a URSS e a maioria das economias do Leste Europeu se encontravam com graves problemas econômicos. Eletrodomésticos e automóveis possuídos pela população, citando caso análogo encontravam-se com enorme atraso tecnológico em relação ao Ocidente. Casas populares estavam decadentes e com falhas estruturais, pois não eram feitas para durar. Havia falta de itens básicos de higiene e de alimentos nos mercados, chegando a serem vistos como itens de luxo.

A crise econômica foi marcada pela alta inflação, baixo crescimento e queda nos padrões de vida. Esta, aliada ao crescimento da oposição política e da insatisfação pública com as medidas econômicas, repressão policial e militar (principalmente em estados-fantoche), desastres ecológicos, entre outros, levou ao declínio do império soviético.

Sem a existência de um mercado, mesmo que com restrita liberdade econômica, não há a formação natural de preços. Portanto, o planejamento econômico torna-se irracional e impossível, impedindo assim a criação de riqueza e sua manutenção na sociedade. O que se verificou na URSS foi uma gradual destruição de riqueza que culminou na crise que a desintegrou.

Como, todavia, a União Soviética foi capaz se manter por tanto tempo em pé (69 anos) com um sistema de economia planificada? Ao subir ao poder, Lênin encontrou um país com séculos de acumulação de capital, o que fornecia a ele uma vasta fonte de dinheiro e recursos para ser consumida e redistribuída até que acabasse. Além disso, mesmo a União Soviética acumulava riqueza através de algumas atividades econômicas, como pela venda de petróleo. A exportação do produto a altos preços na década de 1970, considerando vastas reservas descobertas na Sibéria, forneceu ao regime meios econômicos para se manter por muitos anos adicionais.

Outro fator extremamente importante para manter a unidade política das províncias soviéticas, bem como a existência de estados-fantoche, foi a força militar. Os gastos com o exército eram a maior prioridade do governo, muitas vezes a despeito de sua própria população. Assim, qualquer princípio de rebelião era reprimido com força bruta até que houvesse o "apaziguamento", como se viu na Primavera de Praga. Porém, a crise econômica, após anos de socialismo, impediu a manutenção do militarismo como outrora.

Diversos países do Leste Europeu resolveram se libertar do jugo comunista e realizar eleições livres, seguido pelas diversas províncias soviéticas, até o total desmembramento da URSS e a queda definitiva do socialismo na Rússia. Deixando como legado, entre outros problemas econômicos, taxas altíssimas de inflação, chegando a 2.508% em 1992 (StatBureau), além de milhões de vítimas – estima-se que quarenta e um milhões de pessoas foram mortas apenas na era Stalin, graças à coletivização forçada, purgas, prisões nos Gulag e assassinatos em massa – que morreram ou tiveram suas vidas arruinadas pela ideologia marxista (Mises Institute, Russia Beyond).


Texto revisado por Daniella Peixoto Pereira


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