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Estrangeirismo russo e a violação da liberdade de expressão.

 Por Bianca Guimarães Vizzotto

“Vladmir Putin is watching you!” Limbic | Global Voices

A história russa com os direitos humanos não possui grande destaque no que se refere à adesão desses princípios com afinco.Observando desde a Rússia comunista até a atual, esse comportamento se repete, em maior ou menor grau, impiedosamente. Nesse sentido, a particular articulação soviética em podar liberdades como a religiosa, a de expressão e a de associação tornou-se um padrão de atuação para futuras lideranças, como a de Vladimir Putin. 

A liberdade de expressão – assegurada pelo Artigo 19 da Declaração dos Direitos Humanos – passou a ser um tópico sensível e polêmico para a população russa, mesmo após a ratificação da Convenção Europeia de Direitos Humanos em conjunto ao  comprometimento de sua Constituição em garantir os direitos humanos, entre outros. O que se conhece do país eslavo atualmente, portanto, é fruto de tentativas de transição falhas, de uma Rússia totalitária, para uma que tentava ser democrática que, no entanto, não era capaz de se desvencilhar de suas raízes.

Putin e a liberdade de expressão

A posição do governo Putin com relação aos direitos humanos e às liberdades no geral não se faz desconhecida e é por muitos criticada. De forma geral, a imunidade do governo com relação ao cumprimento básico das leis é fortemente questionada, uma vez que a própria liberdade de expressão, ainda que presente na Constituição russa, se tornou um mito frente às inúmeras tentativas de calar a imprensa, opositores e a sociedade de uma forma geral. 

Tendo isso em vista, o final do ano de 2019 foi marcado por mais um ataque à liberdade de expressão contando com a limitação da difusão de informação na internet, agora por meio dos jornalistas e blogs independentes. A lei de “agente estrangeiro”, como é conhecida, já exigia que veículos de informação e ONGs financiadas por outros governos deixassem essa condição explicitamente discriminada em suas plataformas e reportagens. A imposição existe para que suas atividades possam, além de ser monitoradas, ser restringidas também, podendo ocasionar multas e eventuais prisões. 

A nomenclatura usada para a lei foi, curiosamente, também utilizada na época da União Soviética com a finalidade de identificar opositores e sancioná-los. A decisão de manter o nome “agentes estrangeiros” é uma clara herança deixada pela Rússia soviética e seus instrumentos de poda aos direitos humanos. 

O histórico de sanções 

O histórico de violações à liberdade de expressão na Rússia é longo, apesar de ilegal em si mesmo, uma vez que artigos de sua própria Constituição se apoiam nesse princípio. Fiscalização oficial nenhuma foi realmente realizada em termos de conferir o cumprimento legal desses artigos o que, no entanto, não é estranho. Chegaria a ser infelizmente insensato pensar que um país que censura sua mídia, não faria o mesmo com seus mecanismos legais, para proteger sua corrupção. 

A emenda à lei previamente citada, apesar de afunilar ainda mais as possibilidades de circulação de informação na sociedade, não configura um novo ataque ao direito, apenas uma nova ferramenta. Manobras de cancelamento de sites e jornais foram realizadas ao longo dos anos, além de substituições de agências privadas por agências controladas pelo Estado, como foi o caso do jornal RIA Novosty, substituído pela estatal Russia Today em 2013

Além disso, situação que ilustra com presteza a manipulação de informação exercida pelo governo russo é o caso Euromaidan – uma onda de protestos na Ucrânia, reivindicando maior integração europeia, fim da corrupção no país, entre outras pautas sociopolíticas – com a agência Lenta.ru. Em 2014, o jornal publica uma entrevista com um líder de esquerda ucraniano, causando a demissão do editor chefe, após uma advertência do comitê para o controle de mídia russa, Roskomnadzor, pelo conteúdo incitando “ódio nacional”. 

Ademais, a perseguição contra ONGs defensoras dos direitos humanos particularmente parece ser o que move o governo russo. Um dos casos mais revoltantes é o da ONG Women of the Don, umas das mais respeitadas e cujo trabalho abrangia a maior gama de serviços voltados à proteção da sociedade. A organização foi vítima da lei do “agente estrangeiro” e injustamente acusada de trabalhar para forças estrangeiras, apesar de ter negado a natureza política de seu trabalho. Como consequência de se negar a adotar o rótulo, a instituição foi condenada a pagar uma multa de 300,000 de rublos (moeda russa) em 2014. Pouco tempo depois, suas atividades foram encerradas por impossibilidade de atuação frente à multa e às perseguições. 

De modo geral, seria necessária uma quantidade muito maior de relatórios, páginas e relatos para que todo o descaso de Putin, e seu aparato administrativo, fosse denunciado integralmente. No entanto, o panorama legal criado por todo um estatuto interno não acusa as perseguições a esta liberdade básica, quanto mais a outras violações de direitos humanos, do lado de dentro da grande Rússia. 

Considerações

A pergunta que certamente pode ser respondida de forma a compreender a motivação de leis como a do “agente estrangeiro” é a do impacto causado nos âmbitos tanto social, quanto político. Socialmente, a lei cala toda e qualquer denúncia de abuso de autoridade, atrocidades, políticas agressivas ao meio, além de alienar e, talvez a questão mais importante, impor medo aos menos corajosos de usarem sua voz. Os elementos dissidentes são marcados, para facilitar a identificação e, consequentemente, seu extermínio. 

Juntamente a isso, politicamente, a lei abre brechas para argumentação baixa e irresponsável de que forças exógenas se articulam para manchar a imagem governamental. As denúncias são tidas como influência estrangeira e oficialmente nada é feito para que isso seja revertido, deixando a sociedade a mercê de um Estado manipulador. Afinal, controlar uma sociedade alienada é muito mais fácil do que uma consciente do que acontece dentro de suas fronteiras. 

Assim, fica claro como existe uma política de censura dentro do país que é sedimentada ainda por grandes corporações de jornalismo como a Russia Today, entre outras controladas pelo governo e utilizada como canal de informação principal pela população. Fatos como esses apenas deixam explícita a facilidade com que a informação pode ser manipulada e, ainda mais, como a ameaça aos direitos humanos é uma ameaça à informação confiável, também. 

Por fim, mais do que nunca é preciso que a transparência prevaleça, que a liberdade de expressão seja respeitada para que haja um diálogo claro entre sociedade civil e o governo. De que outra forma enxergar ações como essa, se não como uma tentativa de alienar toda uma sociedade das situações cotidianas que um governo que não preza pela segurança e bem-estar de sua população – mas sim pelo poder que este tem ao distanciá-los da realidade e aproximá-los de sua bolha? 

Em sua obra, “1984”, George Orwell escreveu sobre uma sociedade distópica, em que, o mecanismo principal de controle do governo totalitário – representado pelo que o autor chama de Grande Irmão – em questão se dava pela manipulação da informação e pela observação constante da população. Orwell escreveu o livro em 1949, como uma previsão do que seria o futuro próximo do ano do título, no entanto, o livro poderia muito bem se chamar “2020”.  


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