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História da arte russa: desde a desconhecida idade média até o político século 20

Por Daniella Peixoto Pereira 


Novo planeta, 1921 por  Konstantin Yuon. Fotografia: © State Tretyakov Gallery, Moscow/DACS 2017


A Rússia é mundialmente conhecida por suas obras literárias, cinematografia, artesanatos, danças típicas, pelo magnífico ballet, e por sua exuberante musicalidade clássica.  Entretanto, sempre houve um grande desconhecimento acerca das obras de arte russas, seja sobre sua importância política-social ou sobre sua evolução e representação. Dessa forma, o objetivo do presente artigo é contextualizar a arte russa e seus encantos.


Idade Média

Mesmo com relatos mostrando que o ano de 862 corresponderia à data de fundação do Estado russo, a arte e a cultura passaram a ser desenvolvidas apenas a partir do século XI na região. Como a Rússia é um país originariamente formado por diversas etnias, essa característica predominou para a formação cultural do país, derivada da fusão de diversos elementos divergentes de povos distintos. Tais elementos eram, ao mesmo tempo, heterogêneos, visto que sua origem era multifacetada, e originais, pois todas essas diferenças apresentavam alguma complexidade artística. 

A expressão através da arte é originária da religião, pois muitas tribos que habitavam o local esculpiam rudemente seus sacrifícios àqueles reverenciados, os elementos da natureza, que possuíam atribuições de deuses. Com a fusão de todas as tribos em um só povo, houve também a oficialização de uma só religião para todo o reino, sendo essa o cristianismo, adotada tanto pela ideologia como por questões de política doméstica e internacional. Durante esse período de formalização, por assim dizer, da religião cristã no estado russo, houve grande influência de Bizâncio, antiga capital do Império Romano, na consagração e principalmente na construção das igrejas. Destarte, a arte bizantina, expressão dirigida pela religião, à primeira vista, encantou e conquistou os olhares russos. Contudo, com o objetivo de evitar uma submissão à Roma, a Rússia permaneceu fiel à sua independência em todos os aspectos, a arte inclusa. Dessa forma, mesmo com uma base bizantina, era evidente, através principalmente de mosaicos e técnica de pintura mural no interior das catedrais, os detalhes originais que o engenho na região ia adquirindo pouco a pouco o estilo russo propriamente dito e levando-o para todas as partes do país.


Século XIV e XV

Com essa mudança religiosa, naturalmente a cultura também se adequou à nova fase, assim, monumentos considerados pagãos eram destruídos e, em seu lugar, igrejas e catedrais eram construídas. Ressaltando a divindade das pinturas, esta era considerada uma tarefa sagrada, só podendo ser realizada por fiéis ortodoxos com uma alma pura, e a arte tinha o intuito de buscar pela beleza divina, uma forma de exibir a santidade em forma de beleza pintada. Dentro desse cenário, se destaca o nome Andrei Rublev, considerado o mais renomado artista medieval russo, por ser capaz de, em suas obras, trazer à tona o melhor da arte bizantina e russa. Rublev aparece como um líder artístico em uma fase de pós-guerra com a Mongólia, que durou aproximadamente dois séculos, e que resultou em diversas mudanças no sistema internacional no período entre o século XIV e XV. Similarmente, tais mudanças foram refletidas na arte e na cultura, pois o país se encontrava em um nome contexto econômico e social, considerado por muitos como uma pré renascença, e é nessa realidade que Andrei surge, colocando no papel todas as mudanças no pensamento espiritual local e no mundo bizantino como um todo.


                 A trindade, de Andrei Rublev - Fonte: the art story // Cristo em majestade, de Andrei Rublev - Fonte painting z

 

Século XVII e XVIII

Durante os próximos anos, a religião continuou a dominar a arte, mesmo com artistas como Simon Ushakov, que foi reconhecido como destaque justamente por se opor à prática artística exclusiva do uso religioso, e, sendo assim, elaborou obras com uma visão mais patriota e livre de elementos da religião, baseando-se em alguns elementos ocidentais. O panorama artístico local  só se alterou no século 17, pois o Czar da época, Pedro, o Grande, iniciou uma política de ocidentalização do Estado para deixá-lo mais próximo à Europa, especialmente no âmbito cultural, visando torná-la uma grande potência regional. Um marco importante foi a criação da Academia Russa de Artes, construída no ano de 1757, que ajudou na centralização da arte no país e forneceu a oportunidade de pintores se especializarem academicamente na área, segundo os moldes da época, seguindo principalmente o estilo Neoclássico. Também influenciou os artistas a irem para fora do país para treinar mais, enviando-os principalmente para a Europa, mas somente a partir de 1830.

 

Retrato de Pedro, o Grandem 1717, por Ivan Nikitin


Século XIX

Sem dúvidas, os séculos mais conhecidos da arte russa são o XIX e o XX, sobretudo devido à importância política, social e histórica do período. Primeiramente, considera-se que a tradição nacional da pintura só se iniciou na década de 1870, com a figura dos "itinerantes". Ademais, os artistas da época cansaram-se de todas as restrições acadêmicas para produzirem suas obras, então começaram a pintar mais livremente, com foco maior para a Rússia ao invés de imitar o ocidente. Muitos dos criadores desse período, por essa razão, não têm reconhecimento internacional, já que se rebelaram contra os padrões, desse modo não sendo muito famosos na região. A intenção era a criação de representações do cotidiano russo, o que demonstra a presença de um estilo realista capturado por esses artistas. Há muitos destaques desse período, cada um conhecido por sua especialidade, como Isaak Ilyich Levitan, conhecido principalmente por suas paisagens e panoramas, sendo o criador do estilo chamado “paisagens de humor”. Seguindo o estilo de paisagens, Ivan Shishkin é outro grande pintor, que dizia que a Rússia era o país das paisagens, e queria passar através de sua arte o amor que sentia pelo lugar de nascimento e sua exuberante beleza. Outros nomes importantes são Ivan Kramskoy, especialista em retratos e famoso por pintar figuras proeminentes da época, e também por usar Cristo como um elemento recorrente em suas obras, e Ilya Repin, conhecido pelo poder e drama de suas artes. 

No que tange a arquitetura do período, esta se desenvolveu de forma a reafirmar a herança medieval artística russa. Surgiram novas interpretações, levando em consideração o momento de desenvolvimento do país, através de, por exemplo, construções de estações ferroviárias. Um monumento imponente consagrado em 1883 em Moscou foi a Catedral de Cristo Salvador, que acabou sendo destruída pelos soviéticos em 1931 e só foi reconstruída em 1990. 


Outono dourado por Isaak Levitan - Fonte: Great Russian Artists

 

Manhã em uma floresta de pinheiros (1878), Ivan Shishkin - Fonte: Russian Life

 

  • Ivan, o terrível, Ilya Repin- Fonte: the art history

 

Catedral de Cristo Salvador - Fonte: bridge to Moscow

Século XX

 

O século XX foi um período muito conturbado, marcado por diversos eventos políticos, como a Revolução em 1917, a Guerra Civil que durou até 1922 e, no mesmo ano, a proclamação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Com isso, a cultura local sofreu um grande boom de criatividade como resposta a esses acontecimentos, não somente no referente à arte, mas também à literatura, e assim vários artistas foram influentes inclusive no palco europeu. Foi nesse período em que o estilo abstrato chegou na região, junto com o primitivismo, o construtivismo e o simbolismo, levando em consideração que foi uma fase experimental contínua, assim como outros movimentos modernistas pelo mundo, então os criadores de arte tentaram se aventurar mais em outros gêneros. Porém, esse período de experimentos acabou cedo, pois com a ascensão do partido comunista ao poder, foi imposto aos artistas o realismo socialista, e dessa forma o trabalho deles acabou sendo censurado, retirado de museus e exposições. Foram substituídos por muitas imagens e fotos do fundador do partido e primeiro líder da União Soviética, Vladmir Lenin, e por cartazes e obras sobre o ideal da URSS. As artes visuais demoraram muitos anos para se recuperar do choque causado pelo período leninista, e stalinista, regime totalitário que perdurou até 1953,  e foi só entre as décadas de 60 e 70 que surgiram pessoa tentando alterar a imposição do realismo socialista, atuando por detrás das cortinas. A liberalização só surgiu novamente ao final do anos 80, e a fase de experimentação de voltando a usar outros estilos.

Assim, é possível observar a adaptação da arte à realidade local e suas características revolucionárias, de irem além de seu próprio tempo e buscarem sempre se expressarem de acordo com sua vontade e necessidade, seja para defenderem um posicionamento político, para exaltarem a beleza da região, ou expressarem polêmicas e causar uma sensação única no outro. A arte está presente em todos os lugares.

 

Texto revisado por Nicholas Torsani

 

 

 

 

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