Por João Victor Peretti Fulconi
Aposentado o Ministro Celso de Mello, o presidente deve indicar um sucessor para ocupar a cadeira desocupada no Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. Este deverá permanecer no cargo, em condições normais, até os seus 75 anos, idade na qual é aposentado compulsoriamente.
Para que um novo membro possa fazer parte do órgão, o Presidente da República faz uma indicação que julgue ser compatível com o cargo, posteriormente avaliada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, e caso aprovada na sabatina, será nomeado o escolhido pelo Presidente. O procedimento concretiza por excelência um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil: a plena harmonia entre Judiciário, Legislativo e Executivo. A Constituição Federal é bem clara em suas disposições a esse respeito:
Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Tanto a indicação do cargo pelo Presidente da República quanto a subsequente sabatina do Senado Federal devem levar em conta dois requisitos essenciais quanto à pessoa que ocupará o cargo de maior hierarquia judiciária do Brasil: notável saber jurídico e reputação ilibada, sendo estes requisitos conceitos abertos - propositalmente - e envoltos de discordâncias dos juristas e doutrinadores. Nenhum deles é novidade da ordem constitucional renovada em 1988, pois já perduram desde a promulgação da primeira Constituição republicana em 1981, graças à iniciativa do eminente jurista Rui Barbosa. A partir de então, essa é a verificação que acompanhou os demais textos constitucionais brasileiros.
Reputação ilibada é um conceito que visa adequar o comportamento privado do indivíduo a considerações de ordem pública. Pessoa ilibada é aquela que não deixa se corromper, que permanece pura. Em termos práticos, o conceito se relaciona à ausência anterior de condenações criminais, enquanto princípio norteador de toda a administração pública abrange a sua execução e uma orientação anterior e posterior ao exercício do cargo. A própria Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal denomina como “detentor de reputação ilibada o candidato que desfruta, no âmbito da sociedade, de reconhecida idoneidade moral, que é a qualidade da pessoa íntegra, sem mancha, incorrupta” (Agência Senado). Esse quesito não comporta muitas discussões: basta que a conduta pública seja adequada às exigências sociais.
Por outro lado, há controvérsias acerca da noção de notável saber jurídico. Em primeiro lugar, discute-se sobre a obrigatoriedade da formação em ciências jurídicas. Tal discussão é certamente medíocre, já que é manifesto que o notável saber não pode ser reduzido a uma certificação acadêmica. Ora, se assim fosse, estariam os entre 1,5 a 3 milhões de bacharéis em Direito no Brasil aptos a serem laureados pelo notório saber. A indicação de Cândido Barata Ribeiro, médico de formação, feita por Floriano Peixoto, em 1893, revela o contrário dessa premissa. Cândido Barata Ribeiro, já notável na sociedade brasileira por sua atuação política, ainda que não fosse formado em Direito, permaneceu no cargo por 10 meses, até que houve rejeição pelo Senado Federal ao seu nome. O país dos bacharéis nunca foi tímido.
Notável é aquele que é digno de nota, de atenção, que pode ser apreciado. De fato, um notório saber se concretiza mediante experiência e reconhecimento do trabalho, mas, no Direito, a atuação profissional não limita, exclusivamente, pela experiência, a exercer qual for a profissão: advogado, promotor ou juiz. Um vasto conhecimento teórico é compreendido, também, como digno de reconhecimento. Não obstante a isso, é certo que um dos aspectos a serem levados em consideração no que tange a questão de forma minuciosamente objetiva é a sua relevância dentro da construção do pensamento jurídico. Uma produção acadêmica de relevância à prática jurídica, sem dúvida, é aquela que evidencia uma notória influência na formação de acadêmicos e juristas que aplicam tais questões em suas próprias atividades, como no caso levá-las à produção de teses jurisprudenciais e doutrinárias, refletindo inclusive em legislação.
Podemos conjecturar acerca do que se tinha em vista originalmente com esses dois requisitos que perduraram nos sucessivos Sistemas Constitucionais. Talvez o objetivo fosse o de restringir o cargo a somente aqueles que o exerceriam com a devida responsabilidade, na esperança de que as cadeiras do Supremo Tribunal Federal fossem ocupadas por juristas do mais alto nível, como Pontes de Miranda, Miguel Reale, ou o próprio Rui Barbosa. De qualquer forma, a lei prevê esse requisito, mas se ele está sendo devidamente cumprido é outra conversa.
Comentários
Postar um comentário