Pular para o conteúdo principal

O xadrez entre Rússia e China

Por Alessandra Akimoto, Derick Zheng e Thallis Víctor Cruz


Introdução


O histórico de relações diplomáticas entre a China e a Rússia nos últimos anos representa um equilíbrio político em um mundo dominado pela influência estadunidense. Desde o surgimento da Federação Russa, dos resquícios da antiga União Soviética, e da ascensão da China como um importante ator nas relações internacionais, os dois países deixaram de lado as diferenças ideológicas que os separaram na segunda metade do século XIX e passaram a cooperar em diversos âmbitos, como econômico e militar.

O governo russo de Putin é visto como uma ditadura pelo viés ocidental, pois, apesar de eleições federais ocorrerem no país, há a forte suspeita de fraudes e coerção para que Putin se perpetue no poder indefinidamente. A China, desde a revolução comunista de 1949, possui um sistema político unipartidário sem eleições populares, ou seja, o molde democrático é inexistente de fato. No entanto, não foi somente as formas de governo similares que os aproximaram, mas um rival em comum: os Estados Unidos da América.

A vitória dos americanos na Guerra Fria significou um novo domínio na nova ordem mundial. Os russos, herdeiros naturais da antiga União Soviética, guardam ainda um grande ceticismo quanto ao país americano. Os chineses, cuja história sempre propagou serem o centro do mundo, aspiram pela retomada das glórias do passado e, para isso, almejam ascender no Sistema Internacional, ocupando a atual cadeira dos EUA. O grande poderio dos estadunidenses nas esferas econômica e militar são vistos como uma clara ameaça para ambos os russos e os chineses.

Os americanos possuem os países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte como seus aliados e ainda sediam as organizações originárias dos Acordos de Bretton Woods, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Para contrapor esse exímio poder militar e econômico dos EUA, a China e a Rússia passaram a apoiar governos contrários à postura dos americanos, como a Síria de Assad, a Venezuela de Maduro e a Coréia do Norte de Kim Jong-Un e fundaram instituições financeiras próprias, como o novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, em contraponto às dependências do sistema bancário americano, além da iniciativa militar da OCX, que tenta estabelecer um norte para a cooperação militar na Eurásia.

Com o advento da pandemia do coronavírus em 2020, os laços entre a China e a Rússia se intensificaram. Quando a pandemia ainda não havia atingido o resto do mundo e estava concentrada na China, Putin, presidente da Rússia, enviou 23 toneladas de suprimentos hospitalares para Wuhan, epicentro do novo coronavírus, em fevereiro. Em abril, quando o vírus já estava disseminado em outros países, mas controlado na China, Xi Jinping, presidente do país asiático, em atitude recíproca, enviou 20 toneladas de suprimentos hospitalares a Moscou para combater o agente patogênico.

Em último lugar, a mais recente atuação da Rússia e não dos EUA (os americanos se ofereceram, mas não foram considerados), foi como intermediador em uma disputa de fronteira entre a China e a Índia na região do Himalaia, demonstra que tanto a China quanto a Rússia possuem confiança mútua e estão cientes que uma desestabilização na região somente prejudicaria a cooperação entre eles e os Estados próximos, em um cenário no qual a hegemonia estadunidense entra em declínio.


Conflitos na fronteira da China


No dia 15 de junho, um confronto na fronteira da China com a Índia, aumentou as tensões na região do Himalaia no Sul da Ásia. Neste acontecimento em questão, vinte militares indianos foram mortos em confronto com soldados chineses.

Agentes da agência de inteligência indiana detectaram um aumento atípico de tropas chinesas na LAC (Linha de Controle real em português), que faz a divisão do território dos dois países e em consequência da pandemia da covid-19, a Índia escolheu por não reforçar seu quadro de oficiais na região. Na semana subsequente, a LAC foi ultrapassada pelo Exército de Libertação Popular da China indo em direção ao vale do rio Galwan e em volta do lago Pangong Tso, que está localizado entre a Índia e o Tibete.

Ocupações de oficiais chineses anteriormente já haviam sido questionadas nos anos de 2013, 2014 e 2017, porém afirma-se que as ocupações vigentes são de intuito diferente, já que foram registradas presenças de tanques de guerra e armas pesadas também.

A falta de definição desta fronteira não é recente e são anteriores à Independência da Índia, ocorrida no ano de 1947. Os britânicos, então colonizadores, e os chineses nunca conseguiram chegar a um acordo sobre a divisão da região. Nos dias de hoje, a China mantém o reconhecimento da fronteira estabelecida em novembro de 1959, já os indianos reconhecem a LAC de setembro de 1962. Cerca de cinco acordos de paz foram estabelecidos entre as partes nos últimos 27 anos, assim mantendo a situação comedida. 

Um dos grandes interesses da China no território é o desejo de firmar o Corredor Econômico da China no Paquistão (CPEC), facilitando o acesso à costa africana pelo oceano Índico que tornaria mais efetiva o plano de uma nova rota da seda. A China tem como seu aliado o Paquistão no sul da Ásia, o qual é um rival histórico da Índia, estando os hindus também interessados na rota.

O envolvimento russo

Em relação aos conflitos entre Índia e China acerca da delimitação de suas fronteiras, a Rússia tem se mostrado interessada em abrir algum diálogo entre os dois países. Ofereceu, então, a capital Moscou para ser o centro das negociações entre as nações que disputam as fronteiras há tantos anos. Com isso, busca restabelecer sua influência na região do Sul da Ásia, que, durante as décadas de 1980 e 1990, perdeu credibilidade internacional ao invadir o Afeganistão, seguido pelo colapso da URSS. 

O encontro entre os ministros de relações exteriores indiano e chinês sob território russo e o acordo entre ambos de cessar-fogo na fronteira pode ser considerado uma vitória diplomática para a Rússia, pois até o presidente americano Donald Trump se ofereceu para mediar as negociações, contudo foi gentilmente rejeitado. 

Quanto ao  Paquistão, a Rússia planeja construir um gasoduto entre as cidades de Lahore e Karachi. Além disso, promoveu exercícios militares com as tropas paquistanesas, tudo isso em um tom de aviso à Índia, que apesar de ser uma histórica compradora de armas russas, recentemente anda negociando seus contratos com os EUA.

Além disso, a reativação do grupo militar QUAD gera inquietação em Moscou, pois a Índia consiste em um forte aliado para a que a Rússia estabeleça uma maior influência na região,  não querendo perdê-la para influências pró-Ocidente e anti-China. Contudo, se esta se decidir futuramente por uma política mais assertiva e agressiva, não haverá muita coisa que a Rússia possa fazer para evitar quaisquer conflitos. 

Sendo assim, mesmo havendo pontos de coalizão entre esses três gigantes, a Rússia em especial está sendo precisamente cirúrgica em suas decisões neste complicado “triângulo amoroso” do Sul da Ásia. 

Conclusão


As relações diplomáticas entre Rússia e China têm se mostrado contidas, porém friamente calculadas e caminhando lentamente para o fortalecimento dessas duas nações. Quando a China ultrapassar os Estados Unidos em breve e se tornar a maior potência econômica, é questão de tempo até que uma nova ordem mundial venha a substituir a atual ordem sob influência dos americanos e a Rússia gostaria de continuar sendo parceira política e comercial dos chineses, assim, poder exercer mais influência na Ásia e no resto do mundo, como fazia a antiga URSS.

Como já esperado, a atuação da diplomacia russa na disputa de fronteira entre a China e a Índia é mais um episódio das ambições russas, cuja memória das glórias do passado ainda ecoam sobre as mentes políticas do país. Ao substituir os EUA como intermediador, é evidente a decadência da hegemonia americana no mundo e o fortalecimento do papel dos russos, bem como uma maior reaproximação com a China.

Estaríamos testemunhando uma aliança de peso contra o Ocidente? A Rússia, uma potência que em um passado recente conseguiu dividir o mundo em duas idelogias e a China, um país eminente por sua história milenar e pioneiro na descoberta e invenção da pólvora e do papel, unindo-se contra a influência que os Estados Unidos, que já domina o Ocidente, pode virar o jogo da geopolítica. Os próximos capítulos dessa novela são incertos, mas, com certeza, gerarão um grande impacto no mundo todo. 


Texto revisado por Nicholas Torsani


Referências


Why Russia’s getting involved in the China-India border dispute, por Pranay Sharma. 19 Set 2020. Disponível em: https://www.scmp.com/week-asia/politics/article/3102151/why-russias-getting-involved-china-india-border-dispute 

MOSCOW’S VIEW OF THE QUAD & THE INDO-PACIFIC: THREATENING RUSSIA’S SPACE, por Mikhail Korostikov. 13 Fev 2019. Disponível em: https://southasianvoices.org/moscow-view-of-indo-pacific-threatening-russia-regional-space/ 

British Broadcasting Corporation. Como aproximação 'sem precedentes' entre Rússia e China materializa pesadelo dos EUA. 16 jun. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48561016>. Acesso em: 27 out. 2020.


BRASIL DE FATO. China x Índia: o que está acontecendo na fronteira e por que a negociação não avança. Disponível em: </https://www.brasildefato.com.br/2020/06/25/china-x-india-o-que-esta-acontecendo-na-fronteira-e-por-que-a-negociacao-nao-avanca/>. Acesso em: 26 Out. 2020.





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Jihad no Sahel: a cooperação e o terrorismo em cheque

  Por Nicholas Torsani A eclosão do terrorismo no Sahel tem suas origens na Guerra Civil Argelina de 1992. Com um golpe militar durante as eleições que garantiriam muito provavelmente portentosa maioria ao partido FIS no congresso, os partidos islâmicos se inflamaram. Logo após, a Frente de Salvação Islâmica (ou FIS, em francês) foi banida e assim, em conjunto com outros grupos armados islâmicos insurgentes, causou a morte de 200 mil argelinos e o desaparecimento de mais 15 mil. Apesar de tamanha brutalidade, ainda foi denotado o papel isento da França, visando manter laços de proximidade com o governo então vigente. Desse modo é que surgem diversas milícias armadas na região do Saara e do Sahel, que vão se consolidar justamente no período de expansão da al-Qaeda e do Talibã, formando uma frente terrorista no Continente Africano. Inclusive, um dos mais importantes grupos terroristas, o Grupo Salafista para a Pregação e o Combate (GSPC), que posteriormente se torna a al-Qaeda no Mag...

A história dos países nórdicos, terra dos vikings

  Por Derick Zheng Bandeiras dos países nórdicos Fonte: Johan Ramberg / Getty Images Introdução Os países nórdicos são compostos por cinco países: Suécia, Dinamarca, Islândia, Finlândia e Noruega. Há ainda os territórios autônomos, como a Groenlândia e as Ilhas Faroé sob soberania da Dinamarca e as Ilhas de Åland, da Finlândia. Esse grupo de países está localizado no ponto mais setentrional da Europa, perto do Ártico, e devido a isto, o clima é rigoroso e com neve frequente nas estações mais frias e ameno nas estações mais quentes. A geografia dos países nórdicos é também composta por regiões montanhosas, com bastante florestas de pinheiros, caracterizados pela alta resistência ao frio e fiordes, passagem natural hídrica para o mar entre montanhas. Esse terreno natural nórdico propiciou as famosas aventuras marítimas dos vikings à Europa ocidental em busca de tesouros e batalhas dignas. A era viking causou enorme temor nesse período da história europeia, devido aos relatos da bru...

Sistemas Eleitorais Brasileiros

Por Daniella Peixoto Pereira A maioria da população brasileira já está familiarizada com o termo sistema eleitoral, principalmente levando em consideração que muitas cidades do país já encerraram a sua fase de eleições municipais recentemente, enquanto outras aguardam pelo segundo. Entretanto, será que é claro o conceito concreto de “sistema eleitoral”? Quais formas existem? Como funciona esse sistema no Brasil? São essas as perguntas que o presente artigo busca responder. Primeiramente, cabe descrever o que são, efetivamente, sistemas eleitorais. Estes são um conjunto de procedimentos e técnicas legais cujo objetivo é o de organizar a representação popular durante o período de eleições e com base nas circunscrições delas. Tais processos convertem o voto em mandatos políticos, dando origem à democracia representativa de forma eficiente, popular, imparcial e segura, visando principalmente a legitimidade da(o) candidata(o) eleita(o) e a representatividade de todas as parcelas da populaçã...