Por Luis Otávio Nascimento
O Conselho do Ártico em sua configuração atual de Estados membros do Ártico, participantes permanentes e observadores. Fonte: U.S. Department of State/Wikimedia Commons
Uma região tem ganho, gradativamente, importância nas agendas das políticas internacionais de alguns países, essa região é o Ártico. Há um acordo geral na arena internacional de que essa região tem como fronteira sul o paralelo 60 Norte. Os “Estados Árticos” são, portanto, aqueles que se encontram total ou parcialmente dentro desse círculo ao redor do Oceano Ártico. Esses países são: Canadá, Estados Unidos da América (Alasca), a Federação Russa, Dinamarca (Groelândia), Suécia, Islândia, Noruega e Finlândia. Os últimos cinco são caracterizados como Países Nórdicos e compartilham, entre outros fatores, uma abordagem político securitária para a região e em organizações internacionais.
Mapa Ártico e as reclamações territoriais. Fonte: Arctic Council/ University of Durham/ UN document
A região do Ártico possui grandes reservas minerais, como gás natural e petróleo. Além de apresentar rotas comerciais alternativas extremamente atraentes para os países, juntamente com um grande potencial pesqueiro. Para se ter uma ideia, no ártico russo, dada a produção atual, a estimativa é de que haja gás natural suficiente para 67 anos de extração e manipulação.
No entanto, a região do Ártico no entorno do oceano de mesmo nome, é majoritariamente gelo por boa parte do ano. Isso tem mudado com o avançar das décadas. O Oceano Ártico, que fica congelado por parte considerável do ano, diminuiu a sua parte congelada em 75% desde 1979, um claro efeito do avanço do aquecimento global. A temperatura na região deve aumentar duas vezes mais do que no resto do mundo. Isso se mostra um fato relevante, e de preocupação para os países da região, em especial os nórdicos, pela aplicação da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (UNCLOS na sigla em inglês). De todos os seus artigos, somente um fala sobre o direito do mar que está sob o gelo. Logo, com o aumento da diminuição do oceano congelado, a Convenção passa a ser aplicada em uma área cada vez maior. As Zonas Econômicas Exclusivas (ZEEs) dependem dessa convenção para serem aplicadas e para que as regiões sejam exploradas com legitimidade pelos países. As ZEEs se estendem 200 milhas náuticas adentro do mar a partir do território de um país.
E é justamente sobre o mar onde se encontram a maioria esmagadora dos contenciosos territoriais. Somente uma disputa entre Dinamarca e Canadá é sobre pedaços de terras reclamados por cada uma das partes, todos os outros problemas de soberania se encontram sobre o mar. Contudo, ainda diante de um panorama como esse, a região do Ártico é historicamente estável, muito pelas ações dos países nórdicos.
Em 1996, os oito Estados do Ártico estabeleceram o Conselho do Ártico. Um fórum de cooperação multilateral regional, com um escopo de atuação sobre o desenvolvimento sustentável e proteção ambiental, principalmente, deixando de fora de seu campo de atuação questões securitárias. Com presidência bienal, os Estados Membros buscam cooperar e incluir outros Estados de fora do Ártico para um desenvolvimento sustentável e manutenção da estabilidade regional.
Os Estados Nórdicos são, de longe, os mais numerosos na região. Dos 8 Estados locais, 5 são nórdicos. Esses mesmos Estados, como forma de potencializar a sua voz e influência na arena internacional, em especial no Ártico, costumam adotar estratégias conjuntas e harmonizar posturas e votos em organizações internacionais. Além de serem geograficamente pequenos, economicamente desenvolvidos, esses países são Estados de bem-estar social e compartilham identidade cultural e política entre si. Assim, como forma de atuar mais assertivamente, eles tendem a unir suas políticas no local que decide a direção e o escopo de desenvolvimento do Ártico, o Conselho do Ártico. Além de ser importante para a estabilidade regional, essa agenda sustentável contribui com a imagem de amigos do meio ambiente que esses países possuem, além de garantir a vanguarda para eles em tecnologias e tendências relacionadas a esse assunto.
Ademais, esses países acreditam ser necessário um avanço na UNCLOS, temendo o avançar da securitização dos problemas fronteiriços da região. Até porque a Noruega, país nórdico, possui problemas de soberania com o maior país da região, a Federação Russa. Essa que tem militarizado cada vez mais a região, a partir da reativação de bases militares na Sibéria dos tempos da União Soviética, aberto novas e construídos mais navios quebra gelo, de suma importância para a projeção de força na região, para a abertura de rotas comerciais, bem como para o resgate de navios que fiquem presos no gelo.
Como estratégias consonantes, os países nórdicos realizam exercícios militares conjuntos com a OTAN e são parceiros estratégicos dos EUA e da União Europeia (UE). Dos cinco países, três são integrantes da OTAN: Islândia, Noruega e Dinamarca; e três são membros da UE: Finlândia, Suécia e Dinamarca. A participação em tais concertos regionais demonstra uma aproximação clara com o Ocidente e uma tentativa de um contrabalanceamento com a Rússia e a crescente presença chinesa na região da China, como um “Estado próximo ao Ártico”.
As preocupações dos países nórdicos com as abordagens sino-russas estão presentes nos discursos e declarações de seus políticos. O Ministro da Defesa sueco declarou que as ações russas recentes preocupam os países da região. Ao passo em que o Ministro das Relações Exteriores norueguês disse que “a China representa uma ameaça ao Ártico”.
Os avanços na agenda do desenvolvimento sustentável e a garantia da estabilidade da região não teriam sido alcançados sem uma ampla cooperação nórdica e o abandono de diferenças, como a divisão entre países banhados pelo Oceano Ártico e aqueles que não são. É claro como a primazia regional leva esses países a priorizar suas semelhanças no lugar das diferenças, o que os torna mais poderosos em uma região que conta com Rússia e Estados Unidos. O foco de suas atuações no Conselho do Ártico é crucial para tal característica regional. A união e a focalização dos esforços em um local com uma agenda comum têm sido capaz de frear avanços na região que não coincidam com os interesses de Islândia, Finlândia, Suécia, Dinamarca e Noruega. Enquanto os russos conquistaram a Criméia com a força militar, invadiram a Geórgia e salvaguardam o ditador de Belarus. Os desejos de Putin parecem esbarrar em países muito menores, mas unidos e com aliados poderosos. Dificilmente o avanço do aquecimento global ou a crescente presença chinesa na região conseguirão desestabilizar o Ártico e retirar dos países nórdicos o papel central na definição dos rumos da região.
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