Por Pedro Lopes Bouças
Aprender um novo idioma, qualquer que seja, é uma tarefa desafiadora. Mesmo aqueles idiomas que nos parecem descomplicados num primeiro momento acabam mostrando suas garras eventualmente. Contudo, os idiomas decerto podem ser inseridos numa gradação de dificuldade, visto que alguns são mais difíceis e outros menos difíceis. São delicados os termos “fácil” e “simples”, pois nenhum idioma é fácil em sentido absoluto; mesmo assim, neste artigo serão utilizados, mas somente em sentido comparativo (como se estivesse escrito “mais fácil”).
É de grande ajuda para o estudante interessado em estudar um idioma específico conhecer, antes mesmo de começar sua jornada, o quão tortuosa e longa a estrada será. Quem não tem noção de onde está metendo e subestima a dificuldade da empreitada frequentemente se desencanta e acaba por perder a esperança. Por isso, me proponho a idear uma escala de dificuldade de aprendizado de idiomas. Ela certamente não deve ser tomada como definitiva ou completa, e está aberta a sugestões e adições. Na realidade, já existem vários ranqueamentos como este que apresentarei, inclusive o do Foreign Service Institute (FSI), órgão que educa linguisticamente o corpo diplomático americano; porém quase todos que já existem foram criados com falantes nativos de língua inglesa em mente. Ora, a dificuldade de um idioma é totalmente dependente da língua nativa do estudante, portanto uma tal escala tem valor limitado para um nativo de português. Apesar da língua portuguesa ser razoavelmente similar a inglesa se trouxermos idiomas não indo-europeus à comparação, as diferenças continuam substanciais ao ponto de se fazer necessária uma nova escala, que tenha em mente falantes de português.
O ranqueamento apresentado a seguir não pretende calcular o número de horas de aula requeridas para atingir a competência eficaz, como é o caso da escala do FSI, mas simplesmente comparar os níveis de dificuldade. Nele tem-se em mente um estudante nativo de português, que não vive num ambiente onde a segunda língua que deseja aprender é falada, e assim não possui acesso imediato a falantes nativos da língua. Além disso, assume-se que ele almeja um alto nível de proficiência, e não só um conhecimento básico. Não será assumido conhecimento prévio de idiomas que não são o português.
Será classificado somente um pequeno grupo seleto de idiomas, que são os que mais comumente despertam interesse nos estudantes. Obviamente, idiomas que não possuem escrita serão deixados de lado, já que são impossíveis sem o convívio diário numa comunidade falante. Idiomas extintos, dos quais não possuímos mais do que registros escritos, também serão excluídos, pois aqui temos em mente uma visão de proficiência que inclui todos as competências, tanto da fala quanto da escrita.
Quais devem ser os critérios para um tal ranqueamento? Em termos gerais, em primeiro lugar temos a questão da similaridade com o português; em segundo, os fatores próprios do idioma; e em terceiro, a facilidade de se encontrar materiais como livros e dicionários, além falantes nativos dispostos e aptos a ensinar seu idioma. Nesses termos, podemos falar em seis critérios: recursos; sons, fonética e fonologia; vocabulário e proximidade lexical; separação cultural; sistema de escrita; gramática, morfologia e sintaxe.
Nível 1: espanhol e italiano
O espanhol é como esperado o idioma mais fácil para um brasileiro aprender, uma vez que possui uma similaridade lexical deveras alta e sintaxe similar. Frequentemente, uma sentença em espanhol pode ser traduzida quase palavra por palavra para o português, e cada palavra substituída por um cognato (id est, uma palavra de mesma origem etimológica). Por exemplo,
Los que trabajan en el turno de noche tienen que dormir de día. - Os que trabalham no turno da noite tem que dormir de dia.
Mas espanhol não é português, é um outro idioma, o que muitos estudantes brasileiros acabam ignorando. Em português não há passado perfeito composto, como em espanhol, nem o uso da preposição “a” para marcar objeto direto humano ou animado. O uso de diversas preposições como “para” ou “a” difere nos dois idiomas, a regência verbal também em alguns casos, além de certos usos dos artigos, como pode ser visto na acima (“turno de noche” em português é “turno da noite”). Há muitos outros pontos de divergência entre as duas línguas.
O sistema de escrita é um ponto facilitador. Além de obviamente utilizar o alfabeto latino, em espanhol existe uma correspondência quase total entre uma grafia e um som; isto é, dificilmente um só caractere possui mais de um valor fonético que dependa do contexto. Em espanhol, não há redução vocálica como em português. Na nossa língua, conhecer a sílaba tônica de uma palavra é quase essencial para fazer-se entender, pois as vogais das sílabas átonas são frequentemente reduzidas.
Por exemplo, a palavra mato se pronuncia /matu/ em português, uma vez que a sílaba tônica é ma, e em sílaba pós-tônica final só são possíveis três fonemas vocálicos: /u/, /i/ e /a/. Em espanhol, mato se pronuncia /mato/, ainda que a sílaba tônica seja ma, pois no espanhol não há redução vocálica.
Um outro exemplo de grafia que pode mascarar a pronúncia correta da palavra em português é estourar. Se pedirmos para um falante qualquer pronunciar essa palavra mostrando-lhe a grafia, não é improvável que ele a pronuncie /estou’rar/, quando na realidade sua pronúncia espontânea é /isto’ra/ ou até mesmo /sto’ra/ (em qualquer contexto, seja culto ou casual). Isto é, o ou é pronunciado /o/, o r final é elidido, e o e inicial ou é reduzido para i ou some.
Em espanhol, a grafia deixa muito mais clara a pronúncia da palavra. A palavra louco, por exemplo, se escreve loco em espanhol; em português, mantemos o ou na grafia apesar de pronunciarmos /o/ igualmente.
Em termos dos outros critérios, o espanhol não apresenta dificuldades para falantes de português. Conceitos como modo verbal (subjuntivo, indicativo e imperativo) e conjugação são desafiadores para não falantes de línguas românicas, mas o falante de português já os conhece da própria língua.
Muito do que foi dito a respeito do espanhol vale também para o italiano. Porém, o italiano é levemente mais difícil, pois a correspondência lexical é um pouco menor, e o número de divergências do português é um pouco maior. Por exemplo, italiano possui mais artigos definidos do que o espanhol e o português, que dependem do fonema inicial do substantivo que modificam, e possui mais contrações do que o espanhol: en el contra nel, nello, nell’.
Embora o grau de inteligibilidade da língua escrita também ser alto, isto é, um falante de português consegue fazer suposições corretas a respeito do conteúdo de um texto em italiano sem conhecer a língua, a inteligibilidade da língua falada em ritmo natural é um pouco menor.
Nível 2: francês e inglês
Assim como o espanhol e o italiano, o francês é um idioma românico, ou seja, um idioma que evoluiu do latim vulgar. Dessa forma, possui um número considerável de cognatos com o português. Porém, diferente desses dois primeiros idiomas, o vocabulário latino do francês sofreu mudanças fonológicas ao longo do tempo que frequentemente dificultam a associação desses cognatos com a palavra correspondente em português, além do número de cognatos ser percentualmente menor.
Como exemplo, a palavra rei se traduz como roi (pronunciado /rwa/) em francês. Ambas descendem de regem do latim, mas é perceptível que evoluíram de maneira distinta.
Este exemplo mostra um outro fator de dificuldade do francês: a correspondência entre a grafia e a pronúncia é diminuta; ocasionalmente encontra-se pronúncias pouco previsíveis, e como resultado disso torna-se mais prudente ouvir cada palavra nova que se aprende na leitura para se certificar da maneira correta de pronunciar. As palavras oeuf, gageure, récemment exemplificam esse fato.
Palavras como a primeira das três acima são uma fonte constante de confusão, pois em muitos casos a consoante final da palavra é muda, como em beaucoup, quand, chat. Em outros, é pronunciada: oeuf, coq. Outras vezes ainda, a ausência ou presença da pronúncia da consoante final muda o significado: est pronunciado como /εst/ significa leste, como /ε/ significa é (ser na terceira pessoa do singular do presente indicativo). Para desafiar mais ainda, há a famigerada liaison. Em determinados contextos, a última ou penúltima consoante muda de uma palavra passa a ser pronunciada (algumas vezes com valor fonético diferente) se a palavra seguinte se inicia por vogal.
Por exemplo, quand il se pronuncia [kãt il], ainda que quand je se pronuncie [kã j].
Algumas vogais do francês não existem em português, então pode haver dificuldades em pronunciar as seguintes: o u, oe, eu. Já as consoantes, em grande parte são as mesmas do que o português.
Em francês, a forma de passado mais usada é o passado perfeito composto, e cada verbo tem como auxiliar ou avoir ou être. O passado simples já não é mais utilizado na linguagem comum. Não há, como em português e espanhol, formas contínuas do tipo estou andando, estava andando. Je marche significa tanto estou andando quanto ando. Isso pode causar uma certa estranheza. Porém, a maioria dos tempos e formas verbais não são difíceis de aprender para um falante de português. Como na nossa língua, muitos verbos dos mais comuns são irregulares, mas os paradigmas de verbos irregulares não são em geral previsíveis para falantes de português.
Já no caso do inglês, a conjugação verbal é um ponto facilitador. Só há flexão por pessoa na terceira do singular, na qual se adiciona -s à raiz do verbo, com a única exceção do verbo to be. Fora isso, cada verbo só tem três formas flexionadas por tempo verbal: a forma presente, a do passado simples e a do pretérito.
No mais, nos verbos regulares, essas duas últimas são iguais: study, studied, studied. Existem verbos irregulares em inglês, mas não são um tão grande problema, uma vez que só possuem essas três flexões, mais a flexão da terceira pessoa do singular do presente, que extremamente previsível. Quase todos os tempos e modos verbais do inglês são expressos com verbos auxiliares ao invés de flexões da raiz verbal.
A grafia das palavras em inglês, por sua vez, é problemática, e ainda mais imprevisível do que a do francês. Gh por exemplo tem o valor fonético [f] em tough, [g] em ghost, mas em though é mudo. Nas quatro palavras seguintes, a letra a é pronunciada de maneiras distintas: father, case, cancer, dual, sem contar em ditongos como ea, pronunciado [i:] (i longo).
O inventário de vogais do inglês difere significativamente do português. Existe uma dezena de fonemas vocálicos em inglês, muitos dos quais o português não possui: o u de but, o i de bit, o a de bat. A consoantes em final de sílaba e os sons th de that [ð] e th de think [θ] – que muitos estudantes pronunciam erroneamente como f – podem acarretar dificuldades.
Apesar desses pequenos contratempos, o inglês é uma língua com uma gramática descomplicada. Não há casos de declinação, os substantivos flexionam somente em número (singular e plural), e a ordem dos elementos na frase (SVO: sujeito, verbo, objeto) é a mesma do português.
Além disso, hoje em dia a influência americana na cultura brasileira e a elevação do inglês ao status de lingua franca do mundo fazem com que seja praticamente inevitável o contato com a língua inglesa no Brasil. Ela está em todo lugar: em nomes próprios (de produtos, serviços e até pessoas), em palavras emprestadas (tantas que elas são), na rede, na televisão etc. Alguns até temem pelo futuro da nossa língua de tão forte a influência do inglês. É extremamente fácil encontrar recursos para aprender inglês, muito mais do que qualquer outra língua.
O inglês também possui um alto número de cognatos com o português devido à influência do francês na língua inglesa, que se iniciou com a invasão normanda à Grã-Bretanha. Apesar do inglês ser uma língua germânica e não neolatina, basta qualquer texto em inglês para nos depararmos com diversas palavras como insult, public, progress, extremamente similares aos cognatos em português insulto, público, progresso. Compare com as traduções em alemão, outra língua germânica: Beleidigung, öffentlich, Entwicklung.
Nível 3: alemão
A partir do nível três de dificuldade, somente os mais obstinados conseguem aprender efetivamente, pois o esforço necessário ultrapassa um certo limiar que elimina a maioria dos pretendentes.
O alemão faz parte do ramo das línguas germânicas da família indo-europeia, da qual também faz parte o português (bem como o russo, o hindi, o persa, o grego, o lituano dentre outros), mas pelo ramo itálico. Como o ancestral comum linguístico da família indo-europeia, o proto-indo-europeu, supostamente foi falado num passado extremamente longínquo, os cognatos mais perceptíveis são aqueles termos que o alemão emprestou do latim ou de línguas neolatinas, como Nummer, reduzieren, Person. Porém o número de palavras desse tipo é bem menor do que no inglês, de modo que um texto em alemão é totalmente incompreensível para um falante de português que não conhece o idioma. Contudo, já saber inglês ajuda muito no aprendizado de alemão.
A morfologia do alemão é moderadamente complexa: substantivos flexionam em gênero, número e caso (felizmente por caso de maneira limitada), verbos são conjugados por pessoa e número (como no português), e tanto adjetivos quanto pronomes flexionam em gênero, número, caso e paradigma (fraco, forte ou misto).
Em alemão, o papel sintático exercido por sintagma nominal na oração engendra uma flexão em sua forma. Existem quatro casos gramaticais: nominativo, acusativo, dativo e genitivo. Como exemplo, temos:
Die Männer haben den Text zu dieser Melodie geschrieben. – Os homens escreveram a letra para essa melodia.
Der Text wurde von den Männern hoch geschätzt. – A letra foi bem avaliada pelos homens.
Der Text (a letra), sujeito da segunda oração, se torna den Text por servir de objeto direto do verbo schreiben (escrever) na primeira. Die Männer (os homens), da primeira, se torna den Männern na segunda, por estar sendo modificado pela preposição von que pede dativo.
Em alemão, cada preposição rege um caso, isto é, modifica o sintagma nominal que a sucede de uma maneira determinada. Os adjetivos e pronomes são razoavelmente influenciados pelo caso, recebendo uma terminação específica para cada combinação de número, gênero e caso. Felizmente, a maioria dos substantivos pouco declina. Contudo, o plural no alemão é pouco previsível, diferente do inglês, que na maioria das vezes só querer um -s.
O alemão tem três gêneros gramaticais: masculino, feminino e neutro, que infelizmente também são pouco previsíveis, tirando algumas terminações que estabelecem o gênero definitivamente como -schaft e -ung que “forçam” a palavra a ser feminina. Para piorar, é necessário conhecer o gênero de cada substantivo para flexionar corretamente os adjetivos e pronomes que a ele se referem. Observe o adjetivo gut flexionado nos três sintagmas nominais seguintes (sim, em alemão a palavra para menina tecnicamente é neutra):
Ein guter Mann. Eine gute Frau. Ein gutes Mädchen. – Um bom homem. Uma boa mulher. Uma boa menina.
Apesar dessas complicações mencionadas, nem tudo é motivo de choro: no alemão a ortografia é altamente consistente, e é possível saber com exatidão a pronúncia de uma palavra só de ver sua forma escrita, com a exceção de algumas palavras, principalmente aquelas emprestadas do francês, do grego e de outras línguas. Por exemplo, o dígrafo ch geralmente representa o fonema /ç/, mas na palavra Chirurgie pode ser realizado tanto /ç/ como /k/.
O alemão é motivo de espanto por ter palavras absurdamente grandes, mas na realidade isso não passa de uma ilusão. Em português, temos expressões como método de pesquisa ou ciência da natureza, onde um substantivo modifica o outro através da preposição de. Em alemão, ao invés de utilizarmos a preposição “equivalente” von, colamos uma palavra na outra: Untersuchungsmethode, Naturwissenschaft. Isso se chama Komposita em alemão. Algumas vezes, de fato, essas palavras formadas dessa maneira tem uma tradução mais curta em português, mas o princípio de juntar palavras menores continua o mesmo: Pflanzenbauwissenschaft (agronomia).
Em termos culturais, o alemão está mais distante do português do que o inglês e o francês, mas ainda há o compartilhamento de diversos elementos culturais europeus ocidentais, o que não é o caso do próximo grupo.
Nível 4: mandarim e árabe
O árabe é um idioma da família semítica e proveniente de uma cultura completamente diferente da cultura europeia ocidental na qual surgiu o português. A riquíssima cultura árabe, em termos de religião, filosofia e costumes se desenvolveu ao longo dos séculos apartada da europeia, apesar de bem no fundo possuir traços em comum com esta: o monoteísmo abraâmico e a filosofia aristotélica.
Por não ser uma língua indo-europeia, a maioria esmagadora das raízes e vocábulos árabes é totalmente estranho ao falante nativo de português, o que requer deste um esforço redobrado para adquirir vocabulário, talvez o fator mais importante no aprendizado de idiomas. Além disso, a morfologia do árabe funciona de uma forma totalmente diferente do português. As raízes morfológicas são grupos consonantais, geralmente de três consoantes, mas as vezes de duas ou quatro, que indicam o campo semântico da palavra. A combinação de determinadas vogais entre essas consoantes determina tanto a classe gramatical quanto o significado da palavra. Por exemplo, k-t-b indica o campo semântico de escritura, inscrição. Ele escreve é yatkubu; ele escreveu, kataba; katiib, escritor; kutub, livro; miktab, máquina de escrever, e assim por diante. Essa única raíz consonantal pode formar centenas de palavras.
Outro ponto de dificuldade do árabe é o sistema de escrita, que é do tipo abjad. Num abjad, somente as consoantes e as vogais longas são escritas, enquanto as vogais curtas são omitidas. É como se escrevêssemos prllppd ao invés de paralelepípedo. Cada caractere tem quatro formas distintas: uma para final de palavra, uma para meio, uma para início e uma para o caractere isolado. Além disso, se escreve da direita para a esquerda.
O árabe ainda apresenta um outro problema: a língua falada nas ruas é bem diferente da linguagem escrita, que é o araba padrão moderno. Cada país integrante do mundo árabe possui sua própria versão da língua, muitas vezes ininteligível aos falantes de outras variedades. Portanto, ninguém no mundo araba fala arabe padrão moderno em casa, com os amigos e em meios informais. Dependendo dos objetivos do estudante é necessário tanto o arabe local quanto o padrão. A quantidade de material disponível para aprender os “dialetos”, no entanto, é deveras escassa.
Assim como o árabe, o chinês também apresenta dificuldades por conta do sistema de escrita, mas aqui o desafio é decuplicado. O paradigma de escrita chinesa é chamado de logográfico, em oposição ao paradigma fonográfico, que é o princípio por trás de todo alfabeto. O que isso quer dizer é que em chinês, os caracteres por si só possuem significado, diferente do nosso alfabeto, no qual os caracteres não possuem nada além de valor fonético. Na realidade, os caracteres chineses possuem tanto valor semântico quanto fonético. Por exemplo, 火 significa fogo, e possui o valor semântico de huo3. Contudo, nem sempre uma palavra corresponde a um caractere: melhorar, em mandarim, é 改良 (gai3liang2). O princípio, na realidade, é que cada caractere corresponde a um único morfema, uma unidade de significado- melhorar é composto dos caracteres para transformar e bom. A complexidade desse sistema de escrita é imensa, e levariam centenas de páginas de texto para explicar como funcionam. Porém, é possível aprender simplesmente memorizando os caracteres que compõe cada palavra e sua pronúncia, sem se preocupar com as minúcias desse sistema de escrita. O elemento desafiador é puramente a quantidade de sinogramas que devem ser memorizados, que está na casa dos milhares. Para um compreendimento pleno de textos de conteúdos variados, recomenda-se a familiaridade com em torno de 3000 caracteres, ainda que com muito menos do que isso já seja possível ler razoavelmente bem.
No entanto, a maioria dos caracteres chineses possuem uma única pronúncia, alguns possuem duas, mas mais do que isso é bem raro, então conhecer um caractere por virtude de uma palavra facilita aprender outras palavras que o possuam por associação.
É comum ouvir dizer que o mandarim “não tem gramática,” mas essa é uma afirmação extremamente equivocada. O que eles querem dizer com isso é que a gramática do mandarim é fácil de se aprender, mas isso também não é totalmente verdade. De fato, em mandarim não há conjugação verbal, não há gênero gramatical, nem forma plural, não há artigos e não há múltiplas formas do mesmo pronome (como em português eu, me, mim, meu). Todos os tempos e modos verbais são expressos com verbos auxiliares como 在 ou partículas como 了 e 过, postas após o verbo. Não há forma de expressar tempo passado puramente em chinês, como em português se coloca o verbo numa conjugação passada, a não ser utilizando advérbios como 以前 (antes) ou 原来 (originalmente). A fluidez entre classes gramaticais é alta: adjetivos se comportam como verbos, mas podem se tornar advérbios, e verbos podem se tornar substantivos tudo sem alteração da forma da palavra.
Mas é aí que a sofisticada sintaxe do chinês aparece. A classe gramatical de uma palavra muitas vezes é expressa pela posição que essa palavra ocupa na frase, por isso ordem dos elementos na frase é relativamente rígida no chinês. Mesmo assim, para a alegria dos falantes de português, a ordem básica é SVO (sujeito, verbo objeto).
Outro fator de complicação no madarim é a pronúncia. O mandarim possui quatro tons básicos, mais um tom neutro. O tom de uma sílaba a diferencia das outras, portanto é impossível se fazer entender sem pronunciar o tom correto, mesmo que os fonemas da sílaba tenham sido todos pronunciados perfeitamente. Para ilustrar, temos três palavras com as sílabas idênticas a não ser pelo tom: 注意 (zhu4yi4 - atenção, prestar atenção), 主意 (zhu3yi5 - ideia) e 主义 (zhu3yi4 - ideologia). Além dessas, existe uma dezena de outras palavras raras ou obscuras com as mesmas combinações de sílabas, o que leva à homonímia.
Como se não bastassem os tons, o inventário de consoantes e vogais do chinês é bem estranho ao falante de português. Ao invés de distinguir entre p e b, por exemplo, o mandarin distingue p aspirado e não aspirado. Existe também uma série de consoantes retroflexas bem difíceis de pronunciar em mandarim, e duas vogais ausentes do inventário fonético do português.
Quanto ao vocabulário, virtualmente todas as palavras chinesas são impenetráveis ao falante de português. Praticamente não há sequer uma palavra em mandarim que o falante de português já conheça só em virtude da própria língua. Mesmo as poucas palavras que o chinês empresta de outros idiomas mais similares ao português tem sua origem mascarada no processo de adaptação à fonologia da língua chinesa, já que grande parte dos sons do português, do inglês etc não fazem parte do inventário do chinês.
Nível 5: japonês
Chegando no último de dificuldade da nossa escala, nos deparamos com o japonês. É claro que existem outros idiomas ainda mais difíceis de se aprender, mas dos idiomas mais cobiçados e que um número significativo de pessoas estuda, julgo ser o mais desafiador.
Em primeiro lugar, a dificuldade com o sistema de escrita que deve ser superada no chinês, é ainda mais exacerbada. O japonês é um dos raríssimos idiomas que mistura mais de um sistema de escrita. A começar, temos os dois sistemas de escrita fonéticos silábicos: hiragana e katakana; neles, cada caractere corresponde a uma sílaba, não a um único som. Somado a isso utilizam-se os caracteres chineses, os sinogramas, que em japonês dá-se o nome de kanji. Originalmente, na verdade, o japonês se escrevia exclusivamente com caracteres chineses. Ao longo dos anos, dezenas de milhares de sinogramas foram emprestados para o japonês, e alguns até criados no Japão. Para ler com proficiência a língua japonesa, se recomenda familiaridade com pelo menos 2000 deles. É um número deveras alto. Porém, para complicar, a língua japonesa tomou emprestado palavras do chinês ao longo de várias épocas históricas. Por causa disso, cada kanji possui não uma, mas diversas pronúncias diferentes, dependendo da palavra em que é empregado. No mínimo, cada kanji tem duas pronúncias: uma que representa um morfema nativo do japonês e uma emprestada do chinês, mas frequentemente há duas, três ou até mais de cada uma dessas. E, diferente do chinês, é comum que os caracteres representam mais de uma sílaba.
Além disso, a gramática do japonês é razoavelmente complexa, já que o japonês é uma língua aglutinante. Os sintagmas verbais são formados por uma série de sufixos aglutinados a uma forma verbal. Por exemplo, o seguinte verbo conjugado significa:
食べられなくなったら (tabe ra re na ku na tta ra)- Se você não conseguir mais comer.
Decompondo a sentença, temos 食べる - comer; ~られる - sufixo que indica potência, capacidade; ~ない - sufixo de negação; ~なる - tornar-se; ~たら - sufixo condicional. Na realidade, essa é uma só palavra que recebeu vários sufixos, diferente da sentença em português composta de várias palavras. Note que não há nenhum indicador do sujeito da oração: em japonês, é extremamente comum omitir o sujeito da frase. Só que, diferente do português, a conjugação verbal não muda de acordo com o sujeito. Com efeito, o japonês é um idioma extremamente dependente do contexto, é ele que determina qual o sujeito.
Mais ainda, se referir diretamente a alguém na oração pode até ser desrespeitoso. Não é nada polido em japonês utilizar a palavra para você: あなた (anata). Mas a preocupação da língua japonesa com polidez vai muito além desse factóide; além da língua casual, há três modalidades de linguagem polida: keigo, sonkeigo e kenjougo. A primeira é a linguagem polida genérica, a segunda é ultra respeitosa e exata as ações do interlocutor, enquanto a terceira é humilde e rebaixa as ações do falante. As três são usadas em conjunto em contextos de fala formais, mas os verbos e conjugações utilizados diferem duma para outra. O verbo fazer por exemplo, possui ao menos quatro versões: する (suru - neutra), やる (yaru - informal), 為さる (nasaru - sonkeigo) e 致す (itasu - kenjougo).
Entretanto, mesmo o japonês tem pontos descomplicados. Com a exceção de alguns sons como o f, u e r, os sons presentes no japonês estão em sua maioria também presentes no português, o que facilita para o falante desta aprender a pronunciar aquela corretamente. A entonação, por outro lado, torna extremamente difícil pronunciar japonês como nativo. Todas as palavras do japonês obedecem a paradigmas complexo de entonação, que variam de dialeto para dialeto. Contudo, é perfeitamente possível se fazer compreender com uma entonação destoante, mas isso impossibilitara se passar como nativo.
Não possuir número, gênero, artigos e conjugação que varia por pessoa também facilitam a jornada do estudante. Além disso, para o bem ou para o mal, o japonês está cada vez mais sendo invadido de palavras emprestadas do inglês, o que facilita para aqueles que conhecem essa língua. A abundância de livros texto de japonês para falantes de português também ajuda, apesar dos dicionários japonês-português disponíveis no mercado editorial brasileiro deixarem muito a desejar.
Conclusão
Vimos que o quão difícil um idioma é de se aprender não depende só da sua complexidade inerente, mas igualmente da língua nativa do estudante. Este pode trazer consigo uma bagagem extremamente útil, ou terá de começar quase que totalmente do zero, o que tornará o processo mais longo e tortuoso.
Aqui foi feito somente um pequeno esboço de escala de dificuldade de somente oito idiomas. Seria interessante ter um ranqueamento que abrangesse dezenas ou até centenas de línguas, enumerando os pontos dificultadores e facilitadores, para que o estudante de qualquer idioma pudesse se situar. Na falta de um tal projeto, o estudante falante de português pode se apoiar com certas reservas nas escalas que já existem para falantes de língua inglesa, principalmente na supramencionada do FSI.
Texto revisado por Nicholas Torsani
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