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O exemplo nórdico na luta pelos direitos humanos.


Por Bianca Guimarães Vizzotto

“Every human has rights” | Shutterstock


A luta pela garantia dos direitos humanos é longa e permanece árdua até os dias atuais. Apesar de não ser o marco do início da luta oficialmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1946, retrata a oficialização do compromisso dos países que a assinaram com a garantia, a proteção e a promoção destes direitos em seu território. Abrangendo desde direitos básicos como educação, saúde, ir e vir até os mais subjetivos como liberdade de associação, pensamento, religião e até mesmo a de expressão, os direitos humanos são necessários para uma sociedade viver em harmonia.

Sabendo disso, é possível perceber como a realidade de avanços e respeito a esse conjunto de direitos se encontra infelizmente distante daquela presente em muitos países, no entanto, é preciso reconhecer os avanços alcançados por países como os nórdicos – Dinamarca, Suécia, Islândia, Noruega e Finlândia – também signatários da DUDH. 

Além disso, é possível citar a iniciativa d’O Comitê Nórdico para os Direitos Humanos, representando a autoridade em assuntos deste cunho, que tem como base a Declaração já citada e os princípios da Corte Europeia dos Direitos Humanos. O foco do comitê são os direitos das crianças e da família, porém também advoga e defende os outros direitos constantes nos documentos citados. 

A liderança nórdica reemergindo 

Apesar do histórico ativismo nórdico, no que podemos citar como defesa dos direitos humanos, o protagonismo desses países nos últimos anos havia sido deixado de lado devido à inconsistência e falha de comunicação e implementação de suas políticas tanto domesticamente como internacionalmente. Esse cenário, no entanto, vem sendo revertido com a necessidade de uma liderança clara e comprometida com essa agenda – visto que países antes vistos como líderes no assunto têm se isentado ou até mesmo deixado de lado para cumprir um papel específico fora desse nicho.

Assim, a liderança desses países começou a ser retomada no cenário internacional a partir de mediação nas resoluções no âmbito dos direitos humanos, como a participação da Islândia no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas abordando o abuso de autoridade na guerra contra as drogas no país. Além disso, a presença da Finlândia no apoio de investigações na Líbia sobre violações dos Direitos Humanos, o papel que lentamente se desenha da Dinamarca como um delator das condições na Arábia Saudita e o importante assento rotativo no Conselho de Segurança da ONU para a Noruega, são esperanças e sinais de uma nova onda de pressão à valorização dos Direitos Humanos. 

Políticas públicas

É certo afirmar que a presença nórdica no que se refere aos assuntos de direitos humanos é forte e necessária para pressionar outros países a fazerem o mesmo. O que pode se tirar disso é que, no que se pode dizer por seu âmbito interno, o histórico desses países em realizar políticas públicas voltadas à garantia dos direitos humanos têm dado certo e servem de exemplo. 

A Noruega, em 2016, aprovou a lei que desvinculava os processos legais e médicos para o reconhecimento legal de pessoas transgênero no país, se tornando o quarto país europeu a tomar essa iniciativa e o segundo nórdico – sendo o primeiro a Dinamarca. Essa é uma importante aprovação pois impede que o processo de reconhecimento legal da identidade de uma pessoa seja humilhante e invasivo como uma vez já foi. Além disso, de acordo com a DUDH, Artigo 6, todos têm direito ao reconhecimento da sua personalidade jurídica. 

Ainda, é necessário reconhecer problemas estruturais que surpreendem quando se tratando desses países, líderes em igualdade de gênero. As leis que criminalizam o estupro, até 2019, se mostraram insuficientes para culpabilizar o abusador com base em falta de consenso da vítima. O que se pôde afirmar é que muito da experiência com impunidade é herdada de um sistema de crenças e mitos sobre o ato sexual e a sexualidade feminina, em que o papel do consentimento, principalmente quando tratado dentro de relacionamentos, não necessariamente entra nessa definição. 

Além disso, a sensação de impunidade gera cada vez mais a sub notificação de estupros. Em especial na Dinamarca, vítimas tendem a não denunciar nesse casos pois a chance real de que o caso siga em frente é quase nula. No entanto, após muitos protestos, o primeiro passo para desmistificar questões como essas já são otimistas; o primeiro ministro dinamarquês anunciou uma mudança legal para dar mais suporte às vitimas e considerar “fala de consenso” de fato estupro. Nesse contexto, Suécia e Islândia, apesar de ainda estarem nessa lista, já possuíam leis desde 2018 considerando esse aspecto na legislação, se tornando o sétimo e oitavo país europeu a considerá-lo.

Uma liderança palpável

Pode-se considerar que a liderança nórdica no ativismo dos direitos humanos foi fundada ao longo da história da região, e continua sendo. O grande diferencial de países como Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega  é o fato de levarem a sério esses direitos e se esforçarem para que eles sejam garantidos e promovidos em suas sociedades. 

É claro que a trajetória desses países ainda tem caminhos a percorrer para que a população esteja completamente imersa em seus direitos humanos e que as taxas de violação sejam oficialmente zeradas. Contudo, é justamente essa trajetória imperfeita que ensina a comunidade internacional o sentido de trabalhar realmente para o bem-estar de todos.

A liderança nórdica nesse caminho traçado por governos comprometidos com a sociedade serve de exemplo de como, na verdade, direitos humanos e prosperidade estão estreitamente ligados. No mais, a palpabilidade dessa liderança, na medida que ainda há o que melhorar, abre portas para o estudo de possibilidades de implementação em diversos países, além de demonstrar a importância de levar a sério um compromisso tão antigo. 

 

Texto revisado por Alessandra Taiko K. Akimoto.


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