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Por que Ler os clássicos do Direito?


Foto em preto e branco de homem com a mão na boca

Descrição gerada automaticamente

Por João Victor Peretti Fulconi


Ítalo Calvino, em seu excepcional ensaio Por que ler os clássicos, traz o conceito de um texto clássico de diferentes formas, como por exemplo, afirmando que “um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. A leitura de um texto clássico, na visão do autor é e sempre será uma releitura, ainda que seja a primeira leitura daquele que tem contato com o texto, pois um clássico sempre terá elementos essenciais daquilo que se trata. O seu conceito se aproxima muito da noção de Borges, pois este afirmava que para entender um livro, precisamos antes ter lido muitos outros.

Ainda que as lições de ambos os artistas sejam referente à Literatura, uma arte que presa pela assimilação, por seu valor estético e até mesmo à sua própria inutilidade, como bem nos ensinou Wilde, por que transpô-las ao Direito, um instrumento social por excelência? Os clássicos do Direito realmente importam? Compreender o Direito não se resume à leitura de um determinado texto e buscar aplicar os conceitos ali demonstrados a uma reação imediata de uma situação em concreto. Um primeiro contato, uma leitura que vise uma mera funcionalidade subsequente, críticas e limitações pré concebidas são pequenos aspectos ordinários de uma condição inexpressiva.

Um clássico sempre traz uma fonte primária por excelência, e não se esgota em suas linhas, pois oferece demasiadas formas de interpretação e serve como base para toda uma formação posterior de teses e fundamentos que servem de parâmetro para uma construção doutrinária posterior. A noção de textos clássicos, usada na literatura e na filosofia principalmente, não impede a transposição do conceito para o Direito. Se toda a filosofia ocidental é de fato uma sucessão de notas de rodapé aos diálogos de Platão, não estaria recorrendo a um kafkanianismo em afirmar que o Direito brasileiro um encadeamento de comentários às obras de juristas notáveis como Rui Barbosa e Clóvis Beviláqua. Se até Miguel Reale, em discurso à recepção ao de Pontes de Miranda à Academia Brasileira de Letras, afirma que fugir dos modismos intelectuais da mocidade e encontrar escritos clássicos nos textos do alagoano “a conquista dos valores mais altos da cidadania”, quem seríamos nós a desprezar textos clássicos em virtude de uma suposta desatualização? 

Resumos, compilados, esquematizados, o que se nota ao entrar em qualquer livraria jurídica em nosso decadente mercado editorial. “Eis a civilização”. O imediatismo e as ânsias de um singelo exame desgastam a perpetuação dos restos de uma alta cultura jurídica. O alto valor presente em uma tradição consolidada, e suas conotações estão além de um texto “desatualizado”. Todas as suas retratações pertencem a um período que não se mantém preso aos seus autores, e são inerentes a qualquer modelo ou forma de pensamento que vise se basear. 


Texto revisado por Daniella Peixoto Pereira



 

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